12.21.2015

sete e meio

Nesta altura do ano, encontrar um bar que não tenha pelo menos um enfeite de Natal é um exercício doloroso. Por isso mesmo é que percorri várias ruas do labirinto da cidade, espreitando discretamente pela porta de cada um, até encontrar um balcão com uma cadeira vazia onde me pudesse sentar sem me lembrar em que época estou. O Natal deprime-me sempre, mas este está a deprimir-me mais do que todos os outros.
Apesar de tudo, tive sorte. A mesma mulher que me atendeu tinha acabado de colocar a agulha num vinil dos Rolling Stones e eu pude beber um copo de vinho durante o "You Can't Always Get What You Want". Um lugar vazio ao balcão de um bar que não tenha enfeites de Natal pode parecer um desejo simples, mas as cidades labirínticas são autênticas mulheres. Nelas nos perdemos e nelas desejamos o que, parecendo fácil, se torna impossível.
Com o primeiro gole, fechei os olhos para poder ver melhor o momento. A música é a última do lado b do "Let it Bleed", um álbum de 1969 que eu tive durante a minha adolescência e no qual ouvia repetidamente esta música. Pegava delicadamente na agulha e devolvia-a de forma repetida ao princípio do tema. Lembro-me de pensar várias vezes que era bom a canção durar sete minutos e meio, para eu não me cansar de o fazer.

You can't always get what you want 
You can't always get what you want 
You can't always get what you want 
But if you try sometimes, yeah 
You just might find you get what you need!

O que é que pode acontecer em sete minutos e meio? Tanto...
Uma bomba pode cair em Aleppo e matar uma família inteira. Nos casos mais cruéis, pode até deixar apenas um ou dois sobreviventes que viverão mais algumas décadas sem esquecer esse momento durante um segundo que seja. Dois turistas, um americano e uma espanhola, podem apaixonar-se em Roma e viver um Amor impossível durante todo esse tempo, com viagens e discussões constantes sobre o Atlântico e sobre quem devia mudar-se para onde. Um homem solitário pode escrever um texto sobre o que sente nesses sete minutos e meio e, daqui a muitos anos, tornar a lê-lo sem lhe perceber o sentido, mas lembrando-se que demorou a beber o copo de tinto exactamente o mesmo que a música a chegar ao fim.
A mulher aproximou-se do antigo gira-discos Akay e colocou a agulha no princípio da música para a ouvir outra vez. Olhou para mim de relance, talvez para perceber se eu consentia, e eu pedi-lhe outro copo de vinho, que ela me serviu com um pequeno chocolate negro.

- É daqui do Porto?
- Não. Venho muito aqui porque adoro cidades labirínticas...

3 comentários:

VR disse...

A sorte grande de podermos viver mais um Natal, apesar de tudo. Foi o texto mais sincero e limpo, mais Natal!, que li durante este dezembro. Obrigado, senti-me partilhar esse vinho.

redonda disse...

Gostei muito deste texto.
um beijinho
Gábi

Ivar C disse...

Flash, obrigado. :)

Redonda, obrigado. :)