7.13.2015

respostas a perguntas inexistentes (317)

Um homem leva o dedo à boca e depois às calças. Tenta tirar uma nódoa com a própria saliva enquanto segura um cigarro fumegante na outra mão. Está à porta de um café que costuma ter homens de meia idade a beber ao balcão e uma mulher mais nova a atender. Espreito lá para dentro e confirmo esse hábito.
Entro para tomar café. Sento-me numa mesa e abro as páginas de um jornal desportivo com vários dias. Não faz mal, não o vou ler. Vou só virar as páginas como quem faz outra coisa qualquer. Às vezes damos pela nossa vida assim, como se virássemos cada dia sem o ler.
O som de um televisor imperceptível disputa o ruído do café com os homens todos, que se exaltam e gesticulam enquanto falam de coisas banais como futebol ou a vida privada de alguém. Tenho a sensação, no entanto, que nenhum deles fala para quem olha, mas sim para a mulher. É por ela que eles querem ser ouvidos. Não uns pelos outros.
Compreendo-os. Há uma solidão em mim que é igual. É aquela que nenhum homem no mundo pode resolver. É preciso ser ouvido e compreendido por uma mulher, mesmo que se diga as maiores asneiras do mundo. Ela é que não compreende. Continua a arrumar copos e pratos como se não ouvisse ninguém.
É uma das coisas que o Amor nos deve dar sempre: uma resposta a uma banalidade. As respostas a coisas banais são a forma mais eficaz de matar a solidão. Isso e o sexo. São dois condimentos essenciais da vida. Quando um Amor não dá para isso, então não dá. É quando se começa a levantar a voz e a tentar tirar nódoas com a própria saliva, sempre perante alguém que arruma copos sem nos ouvir.
Levanto-me. Aproximo-me do balcão para pagar o café e a mulher, que estava de costas, vira-se e vem ter comigo. Pergunta-me se quero número de contribuinte na factura. Que não, respondo. Ela dá-me o troco e o talão. Saio.
É assim, às vezes não ouvimos os outros, mesmo sabendo que eles estão lá. Lembro-me de já ter sentido isso. Pego no telefone e ligo à minha companheira de vida. Preciso de a ouvir por dois segundos que sejam. Ela atende. Sorrio. É essa a importância duma banalidade.

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