9.06.2013

respostas a perguntas inexistentes (260)

acordar

Uma vez disse à Marta que gostava de não ter que dormir. Claro que o disse com a suposição de que, mesmo não dormindo, o meu corpo não se ressentiria minimamente. Não dormia, mas também não andava cansado e, acima de tudo, não perderia tempo de vida por isso. A Marta deu um gole no copo de vinho branco e respondeu-me de forma lacónica.

- Eu gosto de dormir! - disse.

Depois expliquei-lhe que o que eu estava a dizer, de facto, é que estava a gostar imenso de estar ali com ela, a meio da noite, apenas com a Lua e o silêncio da cidade a acompanhar a nossa conversa. Eram quase quatro da manhã e nas ruas até os candeeiros públicos pareciam querer adormecer. Era como se a sua luz tivesse enfraquecido de propósito para não atrapalhar o ambiente. A generosa varanda do apartamento da Marta era, para mim, uma espécie de refúgio. Quando ali estava, era como se o mundo desconhecesse a minhas coordenadas e, talvez por isso, a Lua cheia parecesse mais curiosa e concentrada em mim.
Nunca cheguei a perceber muito bem o que a Marta significava naquela altura. Sei que tinha que fazer exactamente trinta e dois quilómetros para estar com ela na varanda e, mesmo assim, fazia-os regularmente. Talvez não estivesse, de facto, apaixonado por ela. Mas tenho a certeza que queria estar.Essa é, talvez, umas das mais desconfortáveis condições emocionais por que um homem pode passar.
A Marta tinha também uma estranha qualidade. Quase sempre, nos nossos silêncios, adivinhava o que eu estava a pensar. Nunca me ofereceu um tostão furado pelos meus pensamentos.

- Eu gosto de dormir, não apenas para descansar. O meu prazer está essencialmente em acordar. Acordar para um dia novo é uma espécie de viagem no tempo. Desapareço da vida num momento e regresso noutro, já no futuro. Mesmo que o mundo esteja praticamente na mesma quando regresso, posso sempre acreditar que não, nem que seja por una momentos... - desviou o seu olhar do meu e tornou a encher os copos.

A Lua continuava ali, suspensa no céu como se quisesse continuar a ouvir os nossos segredos, mas eu calei-me. Pedi à Marta que me emprestasse uma t-shirt e me arranjasse uma escova de dentes (sabia que ela tinha a mania de ter escovas descartáveis lá em casa). Fui dormir. Talvez no dia seguinte acordasse apaixonado por ela e ela por mim. 
É verdade que isso nunca aconteceu, mas eu passei a dar uma nova importância ao sono.
Por estes dias também dou. Talvez amanhã acorde e tudo esteja diferente...

4 comentários:

Afrodite disse...


Curiosamente, uma frase que digo muitas vezes é que é um desperdício completo termos de dormir!!

Eu até reconheço de dormir é bom e tal... mas que me chateia ter de ir dormir e não poder aproveitar o tempo do sono para ir fazer outras coisas mais interessantes... lá isso chateia!

Por isso normalmente durmo apenas o essencial (sim porque o sono faz falta e é mesmo um alimento)... e salto da cama sempre cedo! (sei que vou um dia mais tarde pagar caro este défice de sono... mas que raio... a dormir não se aprende nada!!)


Beijinhos "vigilantes"
(^^)

Ivar C disse...

afrodite, aprende-se a sonhar, pelo menos. beijos... :)

nos"entas!!!! ( e feliz) disse...

Quem me dera dormirrrrrr assim tão facilmente!!!
Mas gosto de acordar... :)
beijinhos

Ivar C disse...

nos"entas!!!! ( e feliz), também gosto. :)