12.29.2011

conversa 1867

Ela - O meu marido, se deixa de ter sexo durante uma semana, fica logo deprimido e triste. É vê-lo a andar cabisbaixo lá por casa...
Eu - É sinal que está vivo.
Ela - Eu também estou viva e não sou assim.
Eu - Pois...
Ela - Ao contrário dos homens, as mulheres não deixam que falta de sexo as deprima. Deixam é que as depressões as façam perder vontade de ter sexo.
Eu - Ah!
Ela - Pelo contrário, o meu marido quer sempre sexo, mesmo que esteja deprimido.
Eu - Mas isso é porque a depressão dele, segundo o que dizes, se deve à falta de sexo. A cura, portanto, só pode passar por "pinar" mais...
Ela - Lá está. Acho que é a única coisa que o deprime...

Amor, política, segredos e 2012


Ontem estive, como deputado da bancada do Bloco de Esquerda, numa Assembleia Municipal que aprovou o Orçamento e as Grandes Opções do Plano para 2012 do município aveirense. Não vos vou chatear muito com isto, mas aconteceu "por acaso" que a maioria do PSD votou a favor de um orçamento em que não se conseguiu explicar de onde se espera receber mais de 27 milhões de euros (ver imagem). Na prática, isto quer dizer que o Executivo fica com uma margem de 27 milhões de euros para realizar vendas e privatizações do que quiser sem ter que passar cavaco a ninguém, mesmo que essas vendas e/ou privatizações descapitalizem ainda mais o Estado, ou seja, todos nós. Três dos quatro deputados do CDS faltaram à sessão mais importante do ano, para assim não terem que votar nem discutir um Orçamento que é no mínimo... esquisito.
Porque é que Vos estou a falar disto? Porque hoje mesmo, na viagem matinal de comboio que fiz para o meu emprego, fui ouvindo uma discussão em que uma mulher dizia que "os políticos são todos iguais". Eu, como político, apetece-me dizer que os eleitores é que são todos iguais, porque vão votando sempre naqueles que mais os prejudicam para depois se queixarem. Ou então, pior ainda, nem sequer votarem e passarem apenas a dizer que os políticos são todos iguais. Mas sei que não é assim, que os eleitores não são todos iguais, e é por isso que não desisto de ter o meu papel político assumido. Nunca gostei de indefinições...
Sou assim na política, que é racional, mas também sou assim no Amor. Não gosto de indefinições nem de pântanos. Como na política, no Amor voto a favor ou contra o que a minha namorada diz ou faz, sempre com declarações de voto. Ela também, e ainda bem. Esse é um dos motivos pelos quais eu gosto muito dela. Muito mesmo. Entre mim e ela não há milhões escondidos para depois cada um usar como muito bem lhe apetecer. Não há segredos. É por isso que não há amuos nem divórcios.
E eu que sempre disse que na política não pode haver lugar para emoções, admito que me enganei. Pode, pode. E nós, eleitores, devíamos ser todos iguais nesta relação que temos com quem elegemos. Devíamos exigir que tudo se esclarecesse para depois não nos divorciamos a propósito duma discussão que nem sequer percebemos mas que... sentimos. Por estes tempos andamos todos, aliás, a sentir com mais intensidade.
Em 2012, já todos percebemos, vamos sentir ainda mais. É por isso que hoje Vos peço, com alguma humildade política e com toda a emoção que me liga a quem aqui passa, que dêem a mesma importância à política que dão ao Amor. É a única forma de ambos correrem bem. 

12.26.2011

pensamentos catatónicos (267)


Hoje, assim como quem não quer a coisa, comecei a fazer um desenho enquanto esperava pelo almoço, creio que uma árvore solitária junto a um caminho que desaguava na linha do horizonte. Mas acabei por fazer um gatafunho. Já não me lembro muito bem, mas acho que me desviei da ideia inicial quando me apercebi que a árvore estava a ficar desequilibrada. Pelo menos quando comparado com aquilo que eu queria. O gatafunho foi assim uma forma de eu não insistir mais num desenho que me estava a fugir da mão. Assumi o erro e aniquilei-o com uma bomba de tinta. Depois almocei calmamente.
O almoço, arroz com legumes e carne de aves, caiu-me bem. Acho que devia ter aprendido a fazer gatafunhos mais cedo na minha vida, ou melhor, devia ter tido a coragem de começar a fazer gatafunhos mais cedo. É que o Amor acaba por ser mais ou menos como um desenho a esferográfica. Não aceita emendas de ânimo leve. Quando as fazemos elas ficam lá para sempre. Notam-se, e mesmo que não queiramos, às vezes incomodam.
Depois da sobremesa tornei a olhar para o desenho e, em vez de do gatafunho, a minha primeira interpretação mental do desenho foi a de uma árvore. De novo. Não a árvore que eu queria, mas outra qualquer. Não interessa, afinal de contas era um desenho passado onde, tal como nos Amores passados, fica um bocadinho de nós, da nossa tinta e da nossa mão. Mas são para arrumar numa gaveta daquelas que não se abrem mais.
O desAmar é um processo tão legítimo como o de Amar. A única diferença é essa. A Amar desenhamos, a desAmar fazemos gatafunhos. Tentar desenhar enquanto se desAma é um erro. Pelo menos é um processo penoso. Acredita em mim.

12.23.2011

conversa 1866

Ela - O Natal é bom é para as crianças, pelo menos aquelas que acreditam no Pai Natal.
Eu - Também acho.
Ela - Se ele existisse mesmo é que era fixe... com esta crise!
Eu - Sim, se me desse um bacalhau e uma garrafa de Porto, ficava-lhe grato.
Ela - Ah! Não estava a falar dessa crise. Estava a falar da minha crise.
Eu - Qual?
Ela - O que eu pedia ao Pai Natal era uma noite de sexo.
Eu - Ah!
Ela - E tu?
Eu - Por essa ordem de ideias não lhe pedia nada, a não ser que ficasse bem longe de mim.
Ela - És sempre o mesmo.

respostas a perguntas inexistentes (192)

improviso

Nunca tive saudades da juventude. Ser adulto foi a melhor coisa que me aconteceu em quase todas as vertentes da vida, e no Amor também. Do que tenho saudades é de não contar o tempo. Não aquele que vai passando mas sim o que falta passar, esse que contabilizo atabalhoadamente por nem sequer saber quanto é. E é assim que Amo. É bom, mas também é uma pena.
Deixei de me ver ao espelho, porque na verdade nunca o fiz para me pôr mais bonito. Aliás, nunca acreditei que pudesse almejar beleza alguma. Acreditei, isso sim, que tinha toda uma eternidade para ser a estrela principal de um Amor qualquer, e por isso sempre me vi ao espelho para ensaiar gestos e palavras. Só isso, ou talvez tudo isso. Nem sei bem. Sei que foi por aí que o Amor me faltou algumas vezes. Porque o ensaiei em vez de o improvisar.
É isso que é ser adulto, saber Amar de improviso neste incontável tempo que sobra. O Amor penteia-se ao espelho devagar enquanto eu olho ansioso para o relógio da vida. Peço-lhe em silêncio que pare, que me sirva um beijo numa taça de anis. Que me canse. É por isso que o meu reflexo lhe sorri enquanto os seus cabelos dançam na tempestade de vento do secador eléctrico. É igual à minha, essa tempestade, violenta e contida. É assim que se improvisa. 

12.21.2011

lamechices

Ela pergunta-me porque é que os homens nunca falam de Amor, mas não é sobre os homens que ela quer saber seja o que for. É sobre mim. Quer saber porque é que eu nunca lhe digo que gosto dela, que a Amo ou pelo menos que eu defina verbalmente a importância dela para mim. Não sou capaz de o fazer e, pior do que isso, nem sequer sou capaz de lhe dizer que sou incapaz de o fazer. Sou homem, é isso, e portanto espero que ela adivinhe tudo o que eu sinto por ela. Não sei como, mas tenho esperança que o consiga fazer. Afinal de contas é mulher.
Ser homem é difícil porque um homem tem que parecer o mais forte a vida toda, e todos sabem que parecer uma coisa é bem mais difícil do que sê-lo. Ainda noutro dia fomos passear na praia que o Inverno limpou de gente. Ela descalçou-se e abraçou-me. Eu descalcei-me e deixei-me abraçar. Caminhámos durante largos minutos com os pés enterrados no seu silêncio, e eu sabia que ela estava à espera que eu lhe dissesse qualquer coisa. Um "Amo-te tanto!", por exemplo. Mas eu não consegui. Nunca consigo. Cheguei a elaborar uma frase qualquer com as palavras "gosto" e "sorte", mas os meus dentes bloquearam-na quando ela estava prestes a sair da boca. Demos meia volta e regressámos mais distantes, com as mãos enfiadas nos bolsos, eu com a sensação que estava a esconder o que sentia num deles. 
Foi a semana passada que me contou a história dum filme qualquer que viu na televisão, numa noite dessas em que eu fico horas seguidas sentado em frente ao computador sem concluir nada do que começo a fazer. Era sobre um homem incapaz de falar de Amor e que acabava um alcoólico solitário por causa disso. Eu percebi onde ela queria chegar mas respondi-lhe que o argumento me parecia "mais uma lamechice qualquer". Vi-a sorrir com a minha resposta mas com um sorriso triste, como se engolisse duma só vez a réstia duma esperança qualquer. E eu, que pareci mais uma vez o mais forte, na realidade senti-me mais fraco.
Agora estamos aqui num café dos subúrbios da cidade, onde algumas dezenas de pessoas preenchem boletins do totoloto como se isso lhes pudesse salvar a vida, e ela pergunta-me porque é que os homens nunca falam de Amor. Eu sei que responder pode salvar a minha vida, mas as ideias enrolam-se no meu cérebro como um áspero novelo de lã. Os olhos dela pousaram no meus como o pé dum vencedor que pisa o corpo imóvel do morto, e o meus parecem insectos à procura dum local para descansar. "Eu Amo-te", digo-lhe baixinho.  Depois concluo que não faço a mínima ideia porque é que os homens não falam de Amor. Ela levanta-se e dá-me um beijo na testa antes de sair a correr para o trabalho. Pareço mais fraco mas sinto-me mais forte.

12.19.2011

conversa 1865

Ela - Prefiro ter pouco sexo do que muito.
Eu - Porquê?
Ela - O sexo é melhor quando se tem pouco.
Eu - Ah!
Ela - Até já disse isso ao meu marido, porque por ele é "dia sim, dia não".
Eu - "Dia sim, dia não" é muito?
Ela - Então não é?
Eu - Estava só a perguntar a tua opinião. E o que é que o teu marido disse, já agora?
Ela - Disse que prefere sexo menos bom em grande quantidade do que bom só de vez em quando.
Eu - Ena!
Ela - Pois... por isso é que no Natal lhe vou oferecer um vibrador.
Eu - Um vibrador?!?!?! Mas... não era mais indicado uma boneca insuflável?
Ela - Se o que lhe interessa é a quantidade, que pegue no vibrador e o enfie onde quiser.

pensamentos catatónicos (266)

Um dos poucos pedidos que não vale a pena fazer é que alguém se apaixone por nós. Ninguém se apaixona por ninguém a pedido. Se calhar até era bom que fosse assim, mas não é. Foi uma mulher que me explicou isto, uma vez durante um café daqueles que se tomam em pé a olhar para o relógio, e embora eu já o soubesse (sabemos todos), ouvi-a como se fosse uma revelação. Há coisas que sabemos mas não praticamos até que alguém nos diga para o fazer. É como se sozinhos não quiséssemos acreditar que é assim.
O pior é que crescemos a pedir. É natural numa criança pedir sempre o objecto do seu desejo. Depois, quando chegamos a adultos, percebemos que o pedido mais importante de todos não pode ser satisfeito. Pior, se temos que o pedir já é mau sinal. O pior sinal de todos. Ela pousou a chávena, deixou moedas em cima do balcão para pagar os dois cafés e deu-me um beijo com a palma da mão, beijando-a primeiro e acariciando-me depois. Até à próxima, disse.
Nunca percebi como é que ela sabia que eu lhe ia pedir para se apaixonar por mim...

12.18.2011

conversa 1864

Ela - Uma discussão entre duas pessoas devia servir para perceber quem tem razão.
Eu - E não serve?
Ela - A maior parte das vezes não. Serve para que cada um imponha a sua razão.
Eu - Ah! Percebo o teu ponto de vista.
Ela - Às vezes, mesmo quando uma pessoa já percebeu que não tem razão, continua a insistir que tem. Principalmente entre marido e mulher, é muitas vezes assim...
Eu - Tu costumas fazer isso?
Ela - Não, não costumo. De facto só o faço com o meu marido.
Eu - Ah!
Ela - Mas ele também faz comigo.

12.17.2011

um homem na meio di homem



Lembro-me de ver uma entrevista com a Cesária Évora na televisão em que, à pergunta sobre o que lhe fazia mais falta na vida, ela respondeu que era um marido. Respondeu assim, sem hesitações. Um marido. Depois encolheu os ombros e olhou para o lado. A Cesária Évora cantava para o mundo ou, se preferirem, para todos. No entanto, o que lhe fazia falta era um entre esses todos.
Há um Amor que não pode ser dado por todos, mas apenas por um, mesmo que todos o queiram dar. É o Amor que a nossa carne quer como se fosse música. Para além dessa música que ela ofereceu ao mundo, também me ofereceu esse pensamento nesse dia. Só a mim. Obrigado.

Um homem na meio di homem
Bô ta ser nha fidjo, um dia
Oiá sô pa bem dess mundo
Luminosamente bô caminhá
Pa entrá na vida d'home
Sem medo e sem angustia
Ah sofrimento é bem certo
Ma alegria t'existi

12.15.2011

o bosão de Higgs

Hoje um homem passou por uma mulher. Quer dizer, passou por muitas pessoas na rua, num centro comercial, à porta da escola onde esperou o filho para almoçar e no gigantesco edifício onde vai fazendo intervalos na vida para trabalhar. Passou por muitas pessoas, mas agora que se afastou do mundo para poder jantar a sós com a luz da lua, e enquanto vai bebericando vinho dum copo embaciado, só se lembra duma mulher. Uma que não o olhou de frente mas talvez tenha olhado de lado, tão sorrateiramente como ele queria ter feito e não fez.
Pensando bem, talvez até tenha sido melhor assim. Ele também nunca olha nos olhos das mulheres que lhe interessam, pelo menos à primeira. Não tem coragem. Contou a história ao melhor amigo, pelo telefone, enquanto a água para o arroz branco ia fervendo, e ele não percebeu como é que uma mulher que apenas passou por ele lhe pode interessar tanto. Mas interessa, por isso é que se lembra dela e não das outras mais de mil pessoas que passaram por ele.
O Amor também tem um Bosão de Higss, uma partícula elementar à sua existência. Pode ser o olhar, por exemplo. Tudo começa à escala mais pequena possível deste mundo, até um grande Amor. E se um dia destes passar por ela de novo, talvez os seus olhos se evitem como o voo de duas moscas tontas para depois chocarem finalmente um no outro. Foi assim que se apaixonou a última vez e depois surgiram mais choques em cadeia: o dos lábios, o das mãos e o do corpo. Do corpo todo.
Hoje um homem passou por uma mulher e agora não consegue sentir o sabor do sal da comida. Nem sequer tem muita fome. Dá mais um gole no copo de vinho. Talvez um dia destes...

12.14.2011

conversa 1863

Ela - É estranho, divorciei-me mas sinto-me no auge das minhas capacidades sexuais.
Eu - É natural, tens trinta e três anos. A maior parte das mulheres começa a ser melhor na cama a partir dos trinta, mais coisa menos coisa. O divórcio não tem nada a ver com isso.
Ela - Achas mesmo?
Eu - Acho, mas é só uma opinião e vale o que vale...
Ela - Às tantas até me divorciei por causa disso mesmo.
Eu - Disso mesmo?
Ela - Sim, acho que tinha uma vida sexual frustrada, assim sem grande prazer. Agora que me sinto mais preparada não posso continuar com o mesmo namorado de sempre...
Eu - Ele não tem culpa nenhuma de ter começado a namorar contigo muito antes dos trinta...
Ela - Pois não... mas tem culpa de ter agido como um cavalo quando a mim não me apetecia nada ir para a cama com ele.

casamento

Sempre me fizeram muita confusão as perguntas do género "pensas que estás na tua casa?" ou "pensas que estás no café?". Acho que foi uma professora de português, a primeira que me perguntou se eu pensava que estava no café, quando um dia me viu com os pés estendidos em cima duma cadeira vazia. Eu respondi-lhe que não, até porque no café nunca fazia aquilo. Ela expulsou-me da aula.
Era óbvio que eu não pensava que estava no café, mas sentia-me tão bem ali como na minha casa, e por isso é que tinha estendido as pernas para a cadeira da frente. Sentia-me melhor enquanto lia Camões se estivesse ali como na minha casa, e esse é o melhor elogio que se pode fazer a alguém. Eu achava-a boa professora e gostava das aulas dela. Era só isso. Era um elogio.
É também assim que se está no Amor, por exemplo, exactamente como se estivéssemos na nossa casa. Se não estivermos assim com alguém, então não é Amor. Até pode ser bom, mas não é Amor. Será eventualmente uma espécie de amizade, e então estamos como se estivéssemos no café, a pedir por favor que nos tragam uma bica e esperando que nos limpem a mesa com uma toalha antes de o servir. 
O Amor é a nossa casa, porque quando ali chegados atiramos um sapato para cada lado e andamos de meias pelo chão. O Amor é isso, estarmos sempre na posição mais confortável para o nosso corpo e alma sem que o outro pergunte onde é que achamos que estamos. É que estamos com ele, com esse Amor, e é por isso que é assim. É assim no que dizemos ou calamos, no que rimos ou choramos, no que abraçamos ou beijamos.
Foi a palavra casa que deu origem ao verbo casar (casa + ar), e é isso mesmo que é casar. Estou a dizer isto porque ontem, depois de um dia de merda, abracei a Raquel e pousei a minha cabeça no ombro dela durante alguns segundos e em silêncio. Ao mesmo tempo deixei cair a mochila e o casaco no chão do corredor enquanto me descalcei e atirei os sapatos para lugar incerto. Ela não me perguntou se eu sabia onde é que eu estava porque ambos o sabíamos. Se não for assim, até pode ser bom, mas não é Amor.

12.13.2011

conversa 1862

Ela - A vida está cada vez mais difícil.
Eu - Pois está, pois está.
Ela - O meu salário mal chega para as despesas essenciais: água, electricidade, comida, tv por cabo...
Eu - Tv por cabo?! A tv por cabo é essencial?
Ela - É, claro.
Eu - Olha, eu não tenho tv por cabo precisamente para poupar dinheiro.
Ela - Mas isso é porque vives muito tempo sozinho.
Eu - Por isso mesmo é que à partida precisaria de ter mais alguns canais de televisão.
Ela - Não, não. Não tens que fingir que estás muito interessado num programa qualquer só para não te chatearem a cabeça...

conversa 1861

Ela - Este ano não te vou dar prenda de Natal por causa da crise, está bem?!
Eu - Está bem. Para ser sincero não me lembro de me teres dado nenhuma prenda de Natal nos anos anteriores. Nem eu a ti, aliás...
Ela - E não dei. Só que este ano ia dar, se não fosse a crise.
Eu - Ah!
Ela - Pronto, está explicado.

12.12.2011

pensamentos catatónicos (265)

não estou pronto para outra

Este blogue começou porque eu sei o que é a vida desmoronar-se por causa do Amor ou, se preferirem, do desAmor. Sei o que é ouvir numa noite de sábado a frase "já não te Amo!" e conheço o sabor do copo de uísque seguinte e dos outros que se seguem a esse. Sei que é estranho aceitar que o planeta continue a girar indiferente ao nosso sofrimento, como se ele não fosse a coisa mais importante do mundo. Sei o que é não perceber absolutamente nada do que nos aconteceu e alternar, de cinco em cinco minutos, um choro  de desalento com uma raiva interior de quem se sente enganado pelo mundo.
Este blogue começou como uma estratégia de sobrevivência, uma forma de voltar à normalidade de quem já só queria voltar a conseguir dizer "bom dia" aos vizinhos. Por uma questão de justiça, e também de solidariedade com quem está a passar agora pelo mesmo que eu passei, devo dizer que só há uma pessoa capaz de ajudar realmente um desiludido do Amor, e essa pessoa é ela própria. Como mero exemplo, cabe-me ainda dizer que hoje acho que essa desilusão de Amor foi a melhor coisa que me aconteceu na vida. De tal forma que não estou pronto para outra. E estou a dizer isto a alguém muito específico, porque sei como se sente, mas também a todos que o queiram entender como uma certeza de que tudo passa.

12.09.2011

conversa 1860

Ela - Foste a Marrocos este ano, não foste?
Eu - Fui...
Ela - Estiveste em algum minete?
Eu - Em algum minete?!
Ela - Sim, aquelas torres das mesquitas... disseram-me que não se pode ir a nenhuma.
Eu - Talvez queiras dizer minarete...
Ela - É isso, vai dar tudo ao mesmo.
Eu - Pois... o problema é que não vai.
Ela - Não vai?
Eu - Não... não sabes o que é um minete?
Ela - É o quê?
Eu - Tecnicamente é passar a língua no clitóris e nos lábios vaginais duma mulher...
Ela - Ah! Caraças...
Eu - O que foi?
Ela - Já sei porque é o meu amigo muçulmano com quem falei sobre isto se estava a rir...

a mulherzinha do metro de Londres



O racismo não é estúpido apenas pelo ódio gratuito que se tem a outras pessoas, mas também pela gratuitidade do seu espírito corporativista. Isto é, seria tão estúpido eu detestar alguém pela sua cor de pele, como seria eu acreditar que essa minha cor de pele pudesse constituir só por si um grupo social. Não constitui, e eu não me sinto parte de nenhum clube de brancos. Aliás, como em tudo, há brancos de que gosto e de que não gosto.
Mas a ignorância desta senhora que agrediu verbalmente 'estrangeiros' no metro de Londres, e que pergunta a si mesma onde é que o seu país chegou só por estar 'invadido' por 'pretos' e 'polacos' passa em muito esta evidência do materialismo dialéctico, ou da vida, se preferirem...
Pouca gente sabe, por exemplo, que a Etiópia (um dos países do planeta com problemas mais graves de fome entre a sua população) arrendou este ano ao Reino Unido uma área agrícola equivalente à do distrito de Lisboa durante cinquenta anos por cerca de... setecentos euros por mês (um preço abaixo do de um apartamento minúsculo no centro de Londres). Nesta área enorme, latifundiários ingleses estão a produzir soja, óleo de palma, algodão e açúcar para, imagine-se exportarem para a própria Etiópia. Por causa deste negócio que visa apenas enriquecer os bolsos de alguns, poucos, milionários britânicos, foram relocalizados pelo governo daquele país africano cerca de quinze mil etíopes que viram a sua pobreza extrema ainda mais agravada.
É possível que alguns desses etíopes se vejam obrigados a deixar os seus lares e tenham que emigrar para Londres onde, apesar de escravizados num emprego de merda qualquer, sempre vão arranjando qualquer coisa para comer. É possível também, claro, que um desses etíopes encontre depois no metro um mulherzinha destas, alguém que se irrita com a presença de pessoas doutra cor e se ache no direito de as ofender. É tudo possível...
É claro que esta mulherzinha é mesmo só isso, uma mulherzinha, da mesma forma que eu sou um homenzinho. Temos isso em comum, somos tão insignificantes que a única coisa que nos une é podermo-nos cruzar um dia destes no metro de Londres sem sabermos o que o outro pensa, a não ser que um de nós decida levantar a voz. Eu, ela ou um etíope qualquer...

ver reportagem no The Guardian
opinião n'A Ilusão da Visão

12.07.2011

conversa 1859

Ela - Há homens que não sabem mesmo beijar.
Eu - Há?
Ela - Há. Parecem aspiradores de alta potência.
Eu - É por isso que estás com esses 'chupões' na cara?
Ela - É.

a máquina de fazer pipocas

Ainda não fiz a árvore de Natal e talvez até nem faça. Não gosto que tenham pena de mim, e aquelas bolas e fitas que ficam a colorir a minha casa despovoada fazem-no exactamente por pena. Toma lá um bocadinho de cor nessa tua vida cinzenta, ouço-as pensar quando vou à sala buscar um uísque para voltar imediatamente para o quarto. E ignoro-as da mesma forma que ignoro o olhar dos passageiros do autocarro que me vêem sentar todos os dias num dos cantos lá atrás. Passo pelo meios deles para depois me isolar e, agora que penso nisso, tem sido assim toda a minha vida amorosa.
Talvez eu seja mesmo assim, nem carne nem peixe, como a minha avó costumava dizer. Na verdade, de todas as pessoas que conheço sou a que me conheço pior. Sou capaz de adjectivar toda a gente menos eu próprio. Não é triste, só que também não é alegre. Não é nada. É respirar involuntariamente entre uma casa e um emprego. A minha avó também costumava dizer-me que eu tinha que arranjar uma mulher. Tinha razão, ao mesmo tempo que não tinha. As mulheres não se arranjam. São elas que nos arranjam a nós, homens. Nunca nenhuma me arranjou.
Da janela do meu quarto vejo o mundo. A solidão num muro despenteado por cacos de vidros afiados, numa  cortina que se abre para se fechar imediatamente a seguir, num rapaz de capucho que joga sozinho à bola contra a parede duma garagem e na mulher que já espera pelo mesmo autocarro que eu também vou apanhar daqui a mais uns minutos. Está ali há cerca de meia-hora, a rodar o guarda-chuva de riscas vermelhas e brancas como se fosse a Mary Poppins num cinzento dia de chuva. Faz todos os dias o mesmo, desperdiçando o tempo a colorir uma rua vazia e cinzenta com aquelas cores riscadas.
O uísque promete sempre mais do que dá. Promete afogar a nossa solidão e nunca o faz, por isso é que nunca tenho forças para lavar o copo e agora acumulo mais um no balcão da cozinha. É o décimo, mais copo menos copo, que terei que lavar de enfiada um dia destes, quando já não tiver mais nenhum limpo e seco. Visto o casaco e saio.
Lá está ela, a Mary Poppins, a rodar o guarda-chuva que chuta os pingos de água como se fosse uma máquina de pipocas. Ponho-me a três metros dela para não ser atingido, mas ela dispara algo bem mais potente. Boa tarde, diz. E eu, que não queria que o dia chegasse sequer a conhecer-me a voz, respondo encolhido em mim mesmo. Boa tarde, cuspo. O autocarro também cospe, exactamente com a mesma vontade, dois ou três passageiros pela porta de trás. Eu entro pela da frente e percorro-o para depois me aninhar num dos cantos.
Sinto-lhe o cheiro. A Mary Poppins senta-se perto e estende o guarda-chuva molhado na única cadeira entre nós, virado para mim como se quisesse atingir-me com aquelas cores que violam o cinzentismo pacífico de mais um dia de Dezembro. Que está frio, diz. Que está chuva, diz. Que as nuvens não se vão embora, diz. Diz tudo o que não me interessa a mim nem a ninguém, mas que me obriga a responder com um "hum, hum..." controlado. 
Ela sai, como habitualmente, uma paragem antes da minha. Fico a desejar que amanhã se torne a sentar ao meu lado. Talvez até eu próprio vá mais cedo para baixo e fique a ser bombardeado pela sua máquina de fazer pipocas. Ainda não fiz a árvore de Natal, é verdade, mas talvez a faça um destes dias.

12.06.2011

conversa 1858

Ela - Este ano não vou comprar prendas de Natal a quase ninguém, que não há dinheiro. Compro uma ao meu filho e pouco mais.
Eu - Eu também só vou comprar uma à minha filha e outra à minha namorada. Mais nada. Por um lado até é bom, que é um alívio não ter que andar nas compras.
Ela - Mas às compras eu vou na mesma, que há sempre umas prendas que tenho que dar a mim mesma.

12.02.2011

respostas a perguntas inexistentes (191)

castanhas
Senti a falta de um copo de jeropiga com as catorze castanhas assadas que comprei hoje na rua. É sempre assim: a senhora diz-me que são dois euros a dúzia e depois põe-me catorze num papel de jornal dobrado enquanto se queixa que o negócio vai mal. Hoje perguntei-lhe porque é que não põe o preço de dois euros por cada catorze, já que é o que ela vende de facto e talvez melhorasse o negócio. "Se eu fizesse isso, depois tinha que pôr dezasseis no pacote. É tão desconsolador não levar uma castanhinha a mais...", respondeu.
Gosto mais desta senhora hoje do que ontem, e também gosto mais dela do que das promoções tipo "leve dois, pague um" das grandes superfícies. Esta senhora sabe que a nossa felicidade depende da nossa expectativa, ao contrário de quem vende brindes de plástico em bolas ou pacotes opacos para ninguém ver o que está lá dentro. Os ovos kinder, por exemplo, ou as bolinhas de plástico que se abrem em dois, são máquinas de desiludir crianças. Prometem muito e dão pouco.
O mundo divide-se em dois: os que dão mais do que prometem e os que prometem mais do que dão. Os Amores também. Devíamos todos aprender a prometer menos. E esta é a minha homenagem sincera à senhora das castanhas, pelo mundo, e àquela que eu Amo, pelos Amores.

conversa 1857

Ela - Queria mesmo que esta nova relação me corresse bem...
Eu - Há-de correr, não te preocupes. De qualquer maneira é sempre preciso ter cuidado com a expectativa.
Ela - Com a expectativa?!
Eu - Sim, no princípio é preciso não pôr a expectativa muito alta, para depois não sofrer dissabores amorosos muito grandes.
Ela - Ah! O meu problema se isto correr mal nem é bem o dissabor amoroso.
Eu- Não?
Ela - Não. É que quando estou sozinha passo muito tempo em casa e engordo. Foi o que me aconteceu da última vez que me separei.

respostas a perguntas inexistentes (190)

O que fica por fazer

Às vezes Amar dá-me medo, principalmente quando me despeço de quem Amo e atravesso a rua dizendo-lhe adeus. Fico a vê-la desaparecer na primeira curva e a distância entre nós ganha peso. Ela vai de carro e eu a pé, sempre em direcções opostas. É quando me apercebo que um eventual fim desse Amor seria como uma amputação duma parte qualquer do corpo. Um braço ou uma perna, por exemplo. Seria consistente, seria físico.
Depois caminho contando os passos. É o que eu faço sempre que tenho medo: invento uma coisa inútil para fazer. Da casa dela ao primeiro semáforo são cerca de duzentos e vinte passos, e é nesse semáforo que deixo de os contar. Fico a ver os automóveis impacientes pela mudança de cor e lá dentro só estão pessoas sós. Algumas irão trabalhar, talvez a maior parte, e percebo que a normalidade é afastarmo-nos uns dos outros. Alívio.
Foi com esse alívio que hoje me detive perante o verde para peões e o vermelho para os automóveis. Fiquei a ver a condutora do primeiro carro da longa fila de automóveis que ali se forma de cada vez essa combinação de cores se dá. Fumava um cigarro nervoso, abria a porta do veículo e tornava a fechá-la como se estivesse estragada. Depois direccionou o espelho retrovisor para se pentear com os dedos. Quis acreditar que ela vinha de uma despedida apressada e que por isso ainda tinha tudo por fazer: fumar, fechar a porta e pentear-se.
É isso que é uma despedida entre duas pessoas que se Amam: o Amor e a vida que ficam por fazer. Não é medo. Ainda bem.

não venhas tarde



Quantas vezes fazemos asneiras irreversíveis no Amor? Poucas, porque a irreversibilidade é isso mesmo: basta acontecer uma vez. Se há coisas que quando se partem nunca mais voltam a ser as mesmas, o Amor é definitivamente uma delas, e este fado do Carlos Ramos é genial por causa disso. Porque é fado, e porque sabe que a angústia de quem é esperado é às vezes maior do que a de quem espera. Pelo menos se essa irreversibilidade estiver iminente...

Não venhas tarde,
Dizes-me tu com carinho,
Sem nunca fazer alarde,
Do que me pedes baixinho.

Não venhas tarde,
E eu peço a Deus que no fim,
Teu coração ainda guarde,
Um pouco de Amor por mim.

Tu sabes bem,
Que eu vou para outra mulher,
Que ela me prende também,
Que eu só faço o que ela quer.

Tu estás sentindo,
Que te minto e sou cobarde,
Mas sabes dizer sorrindo,
Meu Amor, não venhas tarde.

Não venhas tarde,
Dizes-me sem azedume,
Quando o teu coração arde,
Na fogueira do ciúme.

Não venhas tarde,
Dizes-me tu da janela,
E eu venho sempre mais tarde,
Porque não sei fugir dela.

Tu sabes bem,
Que eu vou para outra mulher,
Que ela me prende também,
Que eu só faço o que ela quer.

Sem alegria,
Eu confesso, tenho medo,
Que tu me digas um dia,
Meu amor, não venhas cedo.

Por ironia,
Pois nunca sei onde vais,
Que eu chegue cedo algum dia,
E seja tarde de mais.

11.30.2011

respostas a perguntas inexistentes (189)

dar uma foda
"Dei uma foda" é a pior maneira de dizer que se fodeu com alguém, mas há quem o faça. O verbo "dar" é um verbo merdoso para usar no Amor e no Sexo que, digam o que disserem, têm muito em comum e ainda bem. Não é que foder e Amar seja a mesma coisa, porque não é, mas que uma coisa implica a outra lá isso implica. Pelo menos enquanto houver força na verga.
O problema disto é que o verbo "dar" é um verbo padreca, ou seja, é um verbo próprio da desigualdade e, portanto, da misericórdia. Alguém dar uma coisa a outro quer dizer que alguém tinha a mais do que o outro. No Amor isso é mentira. Pelo menos no Amor a sério, aquele em que o Sexo tem um fade out de quinhentos beijos enquanto o tesão amolece com o entardecer. No bom Sexo fode-se mas nunca se dá uma foda.
Depois sobra o défice de quem dá. Quem dá uma esmola na rua a um pobre raramente percebe que do outro lado está uma pessoa, ou seja, uma vivência. É por isso que considera o verbo "dar" adequado à situação. É esse o défice do benfeitor e o riso de quem recebe. Mas "dar" é o verbo mais estúpido do mundo, porque também é o mais hipócrita e mentiroso. Ninguém dá nada a ninguém. Na melhor das hipóteses redistribui, e portanto repõe alguma justiça no mundo mundo, ainda que pouca. É assim na Economia, em que há ricos e pobres. Não é assim no Amor, em que só há ricos.
Na Economia, de facto, dá-se uma foda. No Amor fode-se.

conversa 1856

(na minha casa, comigo a encher o copo de vinho dela)

Ela - Não enchas tanto. Isto não é um tasco.
Eu - É a minha casa, o que vai dar mais ou menos ao mesmo.
Ela - Mas põe menos. Não gosto de copos tão cheios...
Eu - O.k.


(uns minutos depois, com ela a encher o meu copo)

Eu - Podes pôr mais um bocadinho? Isto aqui não é um hotel de luxo.
Ela - Estás a chamar-me dondoca?
Eu - E tu estavas a chamar-me tasqueiro, há bocado?
Ela - Estava. É o que tu és, a pôr vinho no copo até transbordar...
Eu - E tu?! a pôr umas gotas que nem para um gole decente chegam...
Ela - Achas que isto significa que entre nós os dois nunca poderia haver nada mais do que uma amizade?
Eu - Acho, definitivamente.
Ela - Pelo menos acertámos em alguma coisa. Nunca namorámos...
Eu - Sim... se bem que és uma amiga esquisita.
Ela - Esquisita porquê?
Eu - Estás sempre sóbria, séria e nunca abraças ninguém...
Ela - Tu é que és um bêbado. Sempre corado e a cantar o fado...
Eu - É só à noite. Tu é que nem à noite...
Ela - Bem... achas que a personalidade de cada um tem a ver com a maneira como enche o copo de vinho?
Eu - Tem, claro que tem.
Ela - Pois, deve ter. Ainda bem que somos amigos apesar das nossas diferenças...
Eu (abraçando-a) - Claro que sim.
Ela - Mas não me toques. Chega para lá que já cheiras um bocado a vinho...

11.29.2011

conversa 1855

Ela - Era tão bom que os homens percebessem que nem sempre que uma mulher ralha com um homem é por estar zangada com ele.
Eu - Então é porquê?
Ela - Porque precisa, obviamente.
Eu - E como é que se distingue quando ela está zangada e quando não está?
Ela - Não distingue.
Eu - Então como é que um homem pode perceber?
Ela - Não pode, mas era bom que bom que pudesse. É só o que eu estou a dizer.

dores de cabeça

Reza a História que a mulher inventou a enxaqueca para as noites em que não lhe apetece ter sexo. Se não for a História a rezar, vá lá, que é pelo menos um mito doméstico todos concordam. A Emami, uma marca de pastilhas medicinais vai mais longe, e acha que as mulheres também inventaram as dores de cabeça dos homens. Para tal utilizam a sua mais usual forma de persuasão: o grito. Não sou eu que o digo, é a Emami.

coisas que fascinam (136)

Amanheci um dia destes antes da própria manhã. Quando isso acontece sei que não consigo voltar a anoitecer, pelo que costumo aquecer um copo de leite no microondas e bebê-lo devagar à janela da cozinha enquanto furo a negritude da noite com os meus olhos afiados. Já sei que lá fora alguns candeeiros públicos iluminam as ruas despovoadas e que o vento brinca com o lixo que se vai acumulando na curva da estrada. E é assim que tento descobrir o porquê da minha manhã serôdia.
Desta vez acrescentei um shot de uísque ao leite e uma música ao silêncio, como se já soubesse que tinha sido a saudade a despir-me os lençóis e acordar-me extemporaneamente. Ela e o facto de ter adormecido sem lhe enviar uma mensagem a dizer-lhe que gosto dela. São repetitivas, essas mensagens, mas por isso é que são importantes. É como se a repetição se renovasse de cada vez que nasce o dia. É por isso que quando as envio a meio da noite fico à espera que amanheça, que é como quem diz, à espera que ela acorde.

11.25.2011

Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra a Mulher

Hoje é o Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra a Mulher, e não me lembro de nenhuma maneira melhor de o celebrar do que dizendo à Raquel que a Amo. Só.

conversa 1854

Ela - Conheces alguém que precise de um candeeiro de pé alto?
Eu - Assim de repente não sei.
Ela - É que eu comprei um, mas como já tinha outro ainda em bom estado estou a dá-lo. Não o quero pôr no lixo.
Eu - Mas compraste um quando já tinhas outro?
Ela - Sim, qual é o problema? Apaixonei-me por um que vi numa loja, não resisti e comprei-o. No fundo é o mesmo que já fiz com homens.
Eu - Com homens?
Ela - Sim. Apaixonei-me por um novo, tive que dar o que já tinha em casa. Há sempre quem precise, principalmente se estiver em bom estado.

os indignados

O "vai-se indo" é uma instituição portuguesa. Basicamente quer dizer que não se está a ir para lado nenhum, mas está a ser-se levado por alguma coisa para um sítio qualquer. Talvez pela vida e para a morte. O "vai-se indo" é desistência de optar, de querer e de mudar. É o fim antes dele mesmo.
O "ir indo" é a repetição do mesmo verbo em dois tempos diferentes, sendo que acaba sempre com o gerúndio "indo". É uma pescadinha de rabo na boca em que um verbo auxiliar se auxilia a si mesmo.
Os portugueses devem ser os melhores do mundo a "ir indo". Vamos indo no emprego, vamos indo no Amor, vamos indo na vida. Por isso é que nunca vamos a lado nenhum a não ser onde nos levam.
Os polícias portugueses raramente percebem que fazem parte dos que "vão indo", e só por isso é que reagem de forma abrupta contra quem se indigna com esta forma de contornar a vida durante uma vida inteira. E esta é a minha homenagem sincera a todos os que se indignam, porque é por eles que a vida passa.

11.22.2011

conversa 1853

Ela - Nunca tive um namorado durante muito tempo porque sempre gostei de viver sozinha. Detesto dividir o espaço que habito com mais alguém, percebes?
Eu - Percebo perfeitamente. Nunca puseste a hipótese de ter um namorado que vivesse noutra casa?
Ela - Claro que sim, mas quando se é novo chega sempre a altura em que o homem quer juntar os trapos... e eu nunca quis.
Eu - E a coisa falhou sempre por causa disso, certo?
Ela - Sim, mais ou menos. Mas eu sempre quis dividir a minha com alguém. O que não quis dividir foi a minha casa.
Eu - Ah!
Ela - Cheguei a propor a um gajo por quem estive loucamente apaixonada, quando eu tinha aí uns vinte e cinco anos, que alugássemos apartamentos um ao lado do outro. Mas ele não quis...
Eu - E agora com quarenta, ainda pensas assim?
Ela - Agora tenho cinco gatos a viver comigo. São os homens que não querem viver comigo...

respostas a perguntas inexistentes (188)

O Amor é o caminho mais difícil que todos teimamos percorrer. Nunca percebi muito bem porquê, até eu próprio o ter feito. Dei um pontapé numa pedra que se enfiou num buraco de esgoto e disse a mim mesmo que "mulheres, nunca mais". Continuei a andar e realmente tudo se tornou mais fácil, só que sem piada nenhuma. Sem uma mulher não consigo fazer nada de mim, a não ser pontapear pedras para os buracos de esgoto. E esse, convenhamos, é um caminho sem interesse.
Ainda bem que o fiz, de qualquer maneira. Foi a pontapear pedras que me apaixonei, quando uma delas falhou o alvo e foi bater nos pés duma mulher. Pedi-lhe desculpa pelo meu passatempo estúpido de pontapear pedras para buracos de esgoto e ela sorriu. "Que coincidência", disse. "É o que eu ando a fazer".
Dei-lhe a mão e um beijo e começámos a caminhar os dois. Até hoje, sempre a desviarmo-nos das pedras daqueles que escolheram o caminho mais fácil.

11.21.2011

conversa 1852

(no café, eu a voltar da casa de banho)

Eu - Pedi mais uma cervejinha. Vamos embora depois, está bem?
Ela - Pediste mais cerveja?! Eu não queria mais. Já bebi o suficiente...
Eu - Não faz mal. Só pedi para mim...
Ela - Só pediste para ti? És dum egoísmo puro.
Eu - Mas ainda ainda agora disseste que não querias mais...
Ela - Uma coisa é eu não querer mais , outra coisa é tu te esqueceres de pedir uma cerveja para mim.
Eu - Não me esqueci. Foi de propósito que não pedi outra. Calculei que não queria mais...
Ela - Deixa-te de fazer cálculos sobre mim, está bem? Só te peço isso...

pensamentos catatónicos (264)

Ninguém de nós nasce a conseguir apaixonar-se ou a Amar tal como o faz depois de crescer. Há, portanto, uma primeira vez em que isso nos acontece. Olhando para trás, não me lembro da linha de partida do verbo Amar na minha vida. Perdeu-se, tal como um  farol que se apaga no denso nevoeiro do mar. 
Olhando para a frente, no entanto, consigo adivinhar que a meta será a minha morte. Pelo menos é o que eu desejo, para que nunca morra antes de morrer. O Amor tem esta certeza de ser o oposto do trabalho em tudo, até na idade que lhe desejamos para a reforma. E hoje, enquanto ouvia uma amiga falar sobre a forma como pensa investir na sua carreira profissional, pensava em como eu tenho preferência que o Amor me corra bem. O resto não é bem viver. É sobreviver.

11.18.2011

conversa 1851

Ela - Como é que se Ama uma mulher que não quer ser Amada?
Eu - Não percebo. Estás a falar de quem?
Ela - Sei lá. Talvez de mim.
Eu - Mas quem é a mulher que não quer ser Amada?
Ela - Sou eu.
Eu - Se não queres ser Amada, qual é o problema em não saber como?
Ela - Eu não quero ser Amada, mas queria querer.
Eu - Desisto.
Ela - Desistes de quê?
Eu - De ter esta conversa. Por favor, poupa-me.
Ela - Estás a ver?
Eu - Estou a ver o quê?
Ela - Não consigo manter uma conversa com ninguém.
Eu - Também não ajudas.
Ela - Era o que eu estava a dizer.
Eu - Socorro.
Ela - O que é que foi? Sou assim tão chata?
Eu - Não és chata, és confusa.
Ela - Nunca foste uma coisa que não querias ser?
Eu - Já. Empregado duma fábrica a ganhar mal como o caraças, por exemplo.
Ela - Estava a falar de Amor. Nunca te sentiste indeciso no que querias ser ou não?
Eu - Sei lá.
Ela - Pronto, é isso.

11.17.2011

conversa 1850

Ela - Cortaste o cabelo!
Eu - Cortei.
Ela - Ainda bem. Já estavas com umas guedelhas que não te ficam nada bem.
Eu - Pois estava.
Ela - Mas assim tão curto também não te fica lá muito bem, para ser sincera.
Eu - Então o que é que sugeres?
Ela - Talvez... talvez... sei lá. Não faço a mínima ideia.

só um desabafo

Há uma imensa pequenez na grandeza de tudo o que achamos grande. Na literatura e na música, por exemplo, onde sempre que alguém me pergunta se eu já li ou ouvi uma merda qualquer de que nunca ouvi falar na minha vida, apetece-me responder-lhe que não faz ideia da quantidade de coisas que há para ler e ouvir. Seria uma coincidência enorme eu ter lido ou ouvido exactamente essa merdice por que me perguntam. Ou coincidência, ou então uma cedência desgastante às montras das livrarias e discotecas que me irritam por serem sempre iguais umas às outras.
A imensa grandeza do que já fizemos ou deixámos de fazer só tem lugar no Amor, onde por isso nunca perguntamos a ninguém se já Amou este ou aquele. Talvez fosse interessante viver num mundo assim, com o João a perguntar-me se eu já Amei alguma vez a Clara de Sousa ou a Paula Moura Pinheiro e eu pudesse responder: "A Clara de Sousa está na minha mesa de cabeceira, à espera que eu acabe de Amar a Uma Thurman, mas da Paula Moura Pinheiro nem ouvi falar". Mas não vivemos. O Amor é tão mais grande quanto mais pequeno for, para que possa ser só nosso.
E ainda bem que o Amor é pequeno. Só assim é que pode caber num automóvel estacionado num lugar ermo a meio da noite, numa cama de solteiro onde já estão duas pessoas ou num elevador que avariou e ainda espera pelo técnico. Ainda bem que é tão pequeno que é capaz de se infiltrar nesses lugares em forma de beijo ou sexo, e é nessa gratificante pequenez que tentamos aconchegar a nossa vida o maior espaço de tempo possível. Ainda bem que o grande cabe no pequeno ou o maior no menor.
Vi hoje duas pessoas enxovalharem outra em público, tratando-a como ignorante porque ela ainda não tinha lido um livro qualquer daqueles "obrigatórios". A ignorância está, digo eu na minha imensa pequenez, em não perceber que o mundo é demasiado grande para que um só livro possa ser obrigatório, e que o Amor é demasiado grande para que um enxovalhamento público possa ter lugar. E é só um desabafo...

11.16.2011

amor entre zombies

Vou fazer um filme com zombies. Não tenho dinheiro para grandes produções, por isso vou fazê-lo com a ajuda de voluntários e com muita animação. Muita mesmo.

respostas a perguntas inexistentes (187)

7do elogio da comparação ao elogio sem comparação 

As mulheres não gostam de ser comparadas a nada. Nem como ofensa, nem como elogio. Nada. Preferem sempre a autenticidade, embora às vezes finjam que não. Quando fingem que não e sorriem a uma comparação elogiosa qualquer, na verdade não estão senão a chamar estúpido ao homem que a faz. Estão a divertir-se em silêncio, portanto.
Um homem como eu demora muitos anos a perceber isto, e vai fazendo-o durante a vida como se estivesse a atalhar caminho no jogo da sedução, até um dia perceber que nunca seduz ninguém. A razão pela qual o faz durante tanto tempo é simples: um homem gosta sempre dum elogio, seja ele qual for. Chega até a gostar dos elogios que não compreende, desde que lhe pareçam como tal.
Quando um homem diz a uma mulher que ela tem a irreverência da Amy Winehouse, o olhar profundo da Mayra Andrade ou a simplicidade da Scarlett Johansson, não está senão a meter a pata na poça. A mulher quer sempre ser ela mesma. Por outro lado, um homem fica tão feliz se for elogiado pela força do Sylvester Stallone como pelo humor profundo do Woody Allen. Vai dar ao mesmo, desde que seja um elogio.
Um homem sente-se bem se for o melhor, uma mulher sente-se melhor se for única. É essa a diferença e é esse o encanto delas. É que ninguém é melhor do que ninguém mas todos nós somos únicos em alguma coisa, nem que seja por sermos aquilo que mais ninguém é: nós. Um homem vive, portanto, bem com a mentira que o coloca no topo do mundo. Uma mulher só pede que se a descubra. Às vezes é difícil, mas é sempre possível.

conversa 1849

(no café)

Ela - É verdade que adoptaste um gato?
Eu - É.
Ela (rindo) - Ainda bem. Sempre passa a haver um gato para ver quando eu for a tua casa.
Eu - Ahn?!
Ela - Não percebeste?
Eu - Não.
Ela - Estou a dizer que tu não és gato.
Eu - Claro que não sou gato. Já sei isso há muito tempo. Sou homem.
Ela - Passou aqui alguma gaja boazona?
Eu - Já passaram várias.
Ela - Ah! É que estás com uma enorme incapacidade de raciocínio.

11.14.2011

conversa 1848

Ela - Estás todo arranhado.
Eu - Foi o meu gato.
Ela - O teu gato?
Eu - Sim. Estava ao meu colo, um cão começou a ladrar lá fora, ele entrou em pânico e arranhou-me todo.
Ela - E eu a pensar que tinhas tido uma noite louca de sexo.
Eu - Credo! Isso dá medo! Achas que um gajo estar a sangrar é por ter tido sexo?!
Ela - Sabe tão bem espetar as unhas na carne dum homem...
Eu - Hum... acho que no Natal vou-te oferecer um cartão, daqueles para gatos, para poderes arranhar.
Ela - Se me ofereceres isso, garanto-te que nem sequer precisas de ter sexo comigo para eu te aleijar.

11.11.2011

conversa 1847

Ela - Gosto de dias místicos como o de hoje.
Eu - Hoje é um dia místico?
Ela - É dia onze do mês onze do ano onze. É uma data só com onzes...
Eu - O ano não é onze, é dois mil e onze. É um bocadinho forçado dizer que a data só tem onzes.
Ela - Tens a mania de tirar a piada a tudo, não tens?
Eu - Tirar a piada?! Só te estava a informar que estás dois mil anos atrasada na contagem do tempo. Às vezes pode ser-te útil...
Ela - Pronto, já me estragaste a manhã.
Eu - Pelo menos foi só a manhã, não foi o dia todo. É que sendo um dia místico, era chato estragá-lo todo...
Ela - Opá! Saí de casa tão bem disposta, com uma sensação tão boa. Sabia que não devia ter vindo tomar café contigo.
Eu - Se sabias é porque realmente há qualquer coisa de místico no dia. Adivinhaste e tudo...
Ela - Cala-te um bocado, senão entorno-te o meu copo de água em cima.
Eu - Que agressividade latente! Mas o que é que eu fiz?
Ela - Tiraste a piada toda a tudo. Eu andei a ler sobre numerologia por causa disto e podíamos ter tido uma conversa interessante sobre o tema. Mas não, tu nunca deixas...
Eu - Mas se nem sabias em que ano estamos, ainda querias falar sobre numerologia?!
Ela - Socorro! Gosto muito de ti mas às vezes cansas-me.

conversa 1846

Ela - Nota-se muito que eu sou uma solteirona?
Eu - Porque é que perguntas isso?
Ela - Hoje fui ao mercado comprar fruta e o raio da vendedora disse-me para eu levar mais maçãs para fazer doce, a ver se arranjo homem com esse doce...
Eu - Ah! Isso foi só para te vender mais maçãs.
Ela - Mas nota-se muito ou não?
Eu - Quer dizer... sei lá se se nota ou não.
Ela - Pronto, estou lixada. Nota-se! Está escrito na tua cara que se nota.

respostas a perguntas inexistentes (186)

As pilhas gastaram-se
Só nos costumamos aperceber do Amor quando nos apaixonamos, não quando nos desapaixonamos. Acho eu que é assim porque nos apaixonamos sempre de um momento para outro, enquanto nos costumamos desapaixonar devagar. Tão lentamente que nem damos por ela. Aliás, o maior perigo do Amor, ou da falta dele,  é esse: não nos apercebermos que nos desapaixonámos.
Um amigo meu desapaixonou-se e deu por ela. Aconteceu tão depressa quanto eu me costumo apaixonar, ou seja, deitou-se apaixonado e desapaixonou-se durante o sono. Foi isso, pronto. Nessa manhã, ainda na cama, fez uma declaração de falta de Amor à mulher. "Olha, não sei porquê mas deixei de te Amar esta noite". E ela, para seu enorme espanto, percebeu-o. Sorriu e disse-lhe que então o melhor era divorciarem-se. Os dois tomaram o pequeno-almoço com uma estranha sensação de felicidade, olhos nos olhos. Foi sorte, portanto. Os dois deram-se conta ao mesmo tempo da falta de Amor entre ambos.
Tem piada. Sempre pensei que um Amor só pudesse acabar assim, de um momento para o outro, por causa de outro Amor ainda maior. Mas não, também pode acontecer que ele se esgote por si só. Foi o que eu lhe disse quando ele me contou o sucedido. É o Amor que acaba no nada, como se fosse uma pilha gasta. E ele concordou acenando com a cabeça. "As pilhas gastaram-se", disse.

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O deve e o haver
Admiro as mulheres em geral e é por isso que preciso de me apaixonar. Admirar uma em particular é conseguir materializar aquilo que a generalidade não permite. O Amor também é isso, uma admiração, e eu gosto de viver admirado.
O que mais me admira, aliás, é que com as mulheres que já tive a sorte de particularizar alguma coisa, fiquei sempre com a sensação de ficar a ganhar na relação entre o deve e o haver. As mulheres dão muito mais aos homens do que os homens dão às mulheres. A mulher mais egoísta do mundo, no Amor é sempre uma mãos-largas. O homem mais mãos-largas do mundo, no Amor é sempre um pouco egoísta. Não é de propósito. Creio que é defeito, pelo menos no meu caso. Ainda hoje acho isso. 
Há uns dias, assim como quem não quer a coisa, e talvez porque a consciência me pesasse, disse-o àquela que Amo. Ela respondeu-me que o Amor só se dá quando ambos ficam a ganhar. Tem razão. O Amor é como um gerador que fornece um motor de corrente contínua. Converte-se a ele mesmo em energia mecânica e eléctrica. Quando deixa de o fazer é porque as pilhas se gastaram. E os motores só demoram um segundo a parar...

11.10.2011

pensamentos catatónicos (263)

Por favor, esquece-te de mim nesse dia...

Adoro que não se lembrem de mim no meu aniversário. O melhor que me pode acontecer nesse dia é passar pelo meu melhor amigo e ele perguntar-me como é que ando, dar-me uma pancadinha nas costas e perguntar-me se tenho tempo para um café. Sempre sem me dar os parabéns por uma coisa para a qual não contribuí nada, que foi ter nascido nesse dia. Nascer num dia qualquer é fruto da lei das probabilidades. Mais nada.
Ontem mesmo jantei com uma amiga minha que interrompeu a refeição para enviar os parabéns a um amigo comum. O telemóvel alertara-a para o aniversário dele através dum software qualquer.


- Olha, o António faz anos hoje. Não lhe queres mandar os parabéns?
- Não, não quero.
- Estás chateado com ele?
- Não, não estou. É um bom amigo.
- E não lhe dás os parabéns?
- Não. Não sabia que ele fazia anos hoje...
- Mas agora já sabes. Eu tenho as datas de aniversário dos meus amigos todos no telemóvel. Assim não me esqueço nunca de ninguém.
- Por favor, esquece-te de mim quando for a minha vez... - pedi-lhe entre uma garfada cansada e um gole ansioso no copo de vinho.

Tenho o respeito suficiente por todos os meus amigos para não andar a fingir que decorei a data de nascimento deles. Não decorei nem lhe dou importância, e também não dou importância a que alguém se lembre de mim por causa duma base de dados num telemóvel ou num computador qualquer.
E não é o simples hábito de cumprir uma suposta obrigação que me chateia. O que me incomoda é alguém poder pensar que eu fico feliz porque uma máquina o fez lembrar-se de mim. Por favor, esqueçam-se de mim nesse dia. Se por acaso nos cruzarmos por aí, estou sempre disponível para um café.

11.08.2011

conversa 1845

Ela - Gosto tanto do teu blogue.
Eu - Do "Não Compreendo As Mulheres"?
Ela - Sim, és um homem encantador.
Eu - Obrigado. Sinto-me lisonjeado.
Ela - És um homem encantador no blogue. Eu, infelizmente, conheço-te pessoalmente e a mim não me enganas tu.

coisas que fascinam (135)

És tão bonita

Tive uma namorada que me pedia constantemente que lhe dissesse que ela era bonita. Sempre me pareceu que ela patinava insegura no meu silêncio sobre aquilo que mais me atraía nela, e por isso obrigava-me a dizê-lo. E eu dizia-o, apesar de forçado e pouco convincente. Não é que ela não fosse bonita, porque era. O problema era ela nunca perceber que o meu silêncio era a maior homenagem a essa beleza.
Às vezes as palavras não chegam para descrever nada. No Amor, diria eu, nunca chegam. É que o Amor é indizível e por isso o silêncio sabe muito mais sobre ele do que todos os livros do mundo juntos. E nessa insuficiência eu lá lhe dizia que ela bonita, com a mesquinha sensação de que estava a dar uma esmola a um pobre, o que me fazia sentir ainda mais impotente. Ela nunca acreditava no que eu dizia porque não sabia acreditar no que eu não dizia. É uma pena as mulheres não saberem ler o silêncio dos homens, pensava eu.
Foi num sábado à tarde que decidimos que não nos sabíamos Amar, e entre algumas lágrimas de dor e alívio a vi diluir-se na multidão da avenida como uma aguarela num banho de cor. É na cor que o que foi não volta a ser, e nós nunca mais voltámos a sê-lo.
Quando uma mulher pede a um homem que lhe diga que ela é bonita, o pedido é fraco. É zero. Quando um homem se silencia perante a beleza duma mulher, o silêncio é forte. É infinito. O silêncio dum homem sobre a beleza duma mulher passa largamente o seu corpo. É um voo sobre a maneira como ela olha, como ela come, como ela adormece, como ela cheira, como ela se penteia, como ela se zanga, chora ou ri. Enfim, como ela respira e Ama. E depois desse voo, só depois desse voo, numa branda aterragem sobre os olhos dela, um homem pode dizer num suspiro que ela é tão bonita. És tão bonita.
A primeira vez que eu o disse assim, desta maneira, tinha trinta e oito anos. Hoje tenho quarenta, e isso fascina-me.

11.07.2011

conversa 1844

Ela - Eu não aceito amizades no Facebook de quem não conheço pessoalmente.
Eu - Porquê?
Ela - Sei lá se posso confiar numa pessoa que nunca vi na vida. Por acaso conheço-a de algum lado?
Eu - Eu não aceito amizades pessoais de quem não seja meu amigo no Facebook.
Ela - Estás a gozar.
Eu - Não estou nada. Sei lá se posso confiar numa pessoa que nunca foi minha amiga no Facebook. Ainda há dias uma mulher se meteu comigo ao balcão dum bar e eu perguntei-lhe: "Por acaso conheço-a de alguma rede social?"
Ela - Acho que te vou anular como amigo do Facebook.
Eu - Porquê?
Ela - Às vezes acredito que te conheço mas não, não conheço. És estranho.
Eu - Bem, se deixares de ser minha amiga no Facebook, eu deixo de ser teu amigo pessoal.
Ela - Não estou a gostar desta conversa.
Eu - Então não faças "like".
Ela - Às vezes és insuportável. Acho é que tenho que ir às minhas definições pessoais e bloquear-te.
Eu - No facebook ou na vida real?
Ela - Nos dois.

respostas a perguntas inexistentes (185)

Ouço falar dos pequenos prazeres da vida e fico sem saber quais são os grandes. É que para mim, aqueles que normalmente vejo associados à pequenez não têm realmente nada de pequeno. Um prazer nunca é pequeno, a não ser que nós próprios o encolhamos até quase não se ver.  E isso é o contrário do que se deve fazer.
Porque é que beber uma cerveja fresca num dia quente de Verão há-de ser um pequeno prazer da vida? Para mim é um prazer enorme, porque é um dos que eu quero que seja constante. Assim como é um prazer enorme beber um café de manhã, beijar a Raquel quando chego a casa, espreguiçar-me ao meio-dia quando posso acordar tarde ou comer um chocolate com amêndoas em apenas duas dentadas. Esses são os grandes prazeres da vida porque são eles a própria vida, e eu quero que a minha vida seja toda ela um prazer. Não é, mas eu quero que seja na mesma.
Lembro-me de num desses dias de Verão convidar uma amiga para um copo de vinho na praia da Costa Nova. Levei eu uma das melhores garrafas que tinha em casa, dois copos de pé alto e um canivete suíço com saca-rolhas. Servi-a enquanto o Pôr do Sol nos espreitava corado no horizonte, e quando bebeu o primeiro gole começou a falar daquele momento como um pequeno prazer da vida. Para mim aquele era um prazer grande, talvez até dos maiores que se possa imaginar, mas ela continuou a insistir que um copo de vinho é apenas um pequeno prazer.
Talvez a diferença seja que para mim um prazer nunca vem só. Era o prazer do copo de vinho, era o prazer da companhia dela, o do cheiro do mar e o do calor das pedras onde estávamos sentados. Eram todos os prazeres convencionais e indizíveis dum dia qualquer de Verão, porque é isso que se quer que seja um prazer: uma convenção.
Apaixonei-me uns meses mais tarde pela Raquel, quando foi ela a convidar-me para um copo de vinho em casa depois de nos termos conhecido num shopping da cidade do Porto. "Tinha todo o prazer", respondi-lhe eu. "Eu também", insistiu ela. E até hoje não conheci prazer maior.

11.03.2011

respostas a perguntas inexistentes (184)

ti ti ti gosto mais de ti

De qual é que gostas mais? Quando somos crianças estamos sempre a perguntar isto em relação a tudo e, na verdade, também a responder. Gostas mais do amarelo ou do vermelho? Gostas mais do mar ou do campo? Gostas mais do pai ou da mãe? Depois crescemos e a coisa continua, embora de forma mais subtil. Sublinhamos no nosso grupo social os filmes de que gostamos mais, as músicas, os livros ou as cidades. Ainda há bocado tive essa discussão sobre vinho, por exemplo, e discuti os gostos entre as regiões da Bairrada, Douro, Alentejo, Dão e Setúbal. Queremos sempre gostar mais duma coisa do que doutra, mesmo que não saibamos muito bem porquê, e a razão é simples: do que gostamos mesmo mais é de gostar, e ao gostarmos mais do que quer que seja, aproximamo-nos rapidamente do verbo.
Daquilo que gostamos passamos a fazer parte, numa simbiose que exibimos com mais orgulho do que Razão. É por isso que, sem saber muito bem porquê, somos do Benfica ou do Futebol Clube do Porto. Somos e pronto, gostamos de o ser e somo-lo com intensidade, que gostar é sempre intenso. A vida torna-se mais fácil quanto mais gostamos de alguma coisa e de quantas mais coisas gostamos. Aliás, quando não gostamos de nada é porque andamos tristes e deprimidos. Torna-se urgente gostar do que quer que seja, nem que seja através do método aleatório desenvolvido na infância do "ti ti ti gosto mais de ti".
Gostar é assim uma questão de sobrevivência, é o último alimento que nos resta numa vida árida. Quem gosta sobrevive, quem não gosta morre. É por isso que quando não se Ama ninguém, pelo menos gosta-se. É essencial.
Já gostei de muitas mulheres que não cheguei a Amar. Aliás, sempre que não Amo ninguém passo a vida a gostar de alguém. Ainda bem, porque gostar é muito mais fácil de acontecer do que Amar, e por isso acontece também mais vezes ser recíproco. Acho que é assim que costumamos sobreviver a nós mesmos e à aridez dos nossos tempos de solidão. A gostar. Goste-se ou não. 

11.02.2011

conversa 1843

Ela - Há dias não me ligaste nada.
Eu - Quando?
Ela - Quando passei por ti no Mercado Negro.
Eu - Liguei, liguei. Lembro-me que te acenei e tudo...
Ela - Acenar é o que se faz aos conhecidos. Uma amiga cumprimenta-se com dois beijinhos e pergunta-se se ela está bem.
Eu - Mas tu também não me vieste cumprimentar. Só me acenaste.
Ela - Claro que não. Fiquei à espera que viesses tu ter comigo...
Eu (só em pensamento) - Foda-se!

a distância mínima de segurança


Contra tudo o que eu próprio esperaria de mim mesmo, adoptei um gato esta semana.
Quando chegou a casa escondeu-se imediatamente no primeiro buraco que encontrou, mais propriamente debaixo do armário da cozinha. Quando me baixei para o espreitar ele ainda se chegou mais para trás, como se eu fosse uma ameaça à sua vida. Por isso deixei-o estar e fui deitar-me no sofá onde acabei por adormecer. Acordei umas duas horas depois com as cócegas que ele me fazia enquanto me cheirava o nariz. Assustou-se e deu alguns passos para trás, mantendo uma distância mínima de segurança de cerca de dois metros.
É essa a distância que o Aníbal (chama-se assim por causa duma votação que fiz no meu Facebook) gosta de manter de quem ainda não conhece muito bem, não vá ter alguma surpresa desagradável. Fiquei ali a dormitar no sofá e a pensar nisso, como se tivesse percebido o quão parecido ele é com algumas mulheres que conheci. Mantém essa distância de segurança e arranha quem a invade, a não ser que decida gostar desse alguém...

10.28.2011

conversa 1842

(no café)

Eu - Vou adoptar um gato.
Ela - Tu?!
Eu - Sim.
Ela - Mas não foste tu que me disseste uma vez que nunca adoptarias um animal?
Eu - Fui, mas agora pensei bem e mudei de ideias.
Ela - Às vezes é melhor ter um animal em casa do que um homem.
Eu (silêncio)
Ela - Que foi? Tira esse sorriso estúpido da cara.
Eu - Bem... admito que te imaginei a...
Ela - A quê?
Eu - A fazer coisas esquisitas com animais.
Ela - És um depravado.
Eu - Eu?! Tu é que te puseste a dizer que é melhor ter um animal em casa do que um homem.
Ela - Realmente... deve ser melhor ter um animal em casa do que um homem como tu, pelo menos.

pela noite dentro

Logo à noite estarei no Pitch Club, na cidade do Porto, a acompanhar como Vídeo Jockey a fabulosa dupla de dj's chamada Retro Boys. Na segunda-feira, véspera de feriado, a dose repete-se no Mercado Negro, em Aveiro.

uma exigência


Uma das piores coisas que já me aconteceram na vida foi perder os meus amigos. Alguns perdi porque já morreram, outros perdi porque simplesmente deixei de os ver da forma mais violenta possível. Um dia disse-lhes "até amanhã" e nunca mais lhe pus a vista em cima. Não foi de propósito, mas o tempo fez com que isso acontecesse.

A diferença entre perder um amigo e perder um Amor é que perder um Amor dói mais no início, perder um amigo dói mais depois. Perder um Amor é levar uma sova, perder um amigo é empobrecer devagar. A razão é simples. O Amor tem um lugar que pode ou não estar ocupado. Quando esse lugar está desocupado, sentimo-nos mal e procuramos ocupá-lo. Para a amizade não há lugares nem numerus clausus, o que faz dum amigo alguém que não podia ser outra coisa senão isso mesmo. É que um Amor ocupa espaço, uma amizade não.

Acho que foi por isso que, com a idade, passei a exigir Amizade ao Amor. Por muito que ele estrebuchasse, e fê-lo várias vezes, se não viesse dividir uma garrafa de vinho e uma conversa comigo de vez em quando, acabava por deixá-lo. Por isso é quando a semana passada a Raquel me disse que tem a sorte de namorar com um amigo, eu pensei que não é sorte. É uma exigência da idade. Ainda bem.

10.27.2011

dia de acordar tarde

Adoro acordar tarde. A primeira sensação que tenho é a de que o mundo já se levantou, foi trabalhar e deixou-me a dormir depois de me aconchegar os lençóis. Quando acordo tarde tenho a sensação que o mundo pensou em mim, mesmo que não o tenha feito, e agradeço-lhe enquanto me espreguiço. É como se ele tivesse dito a todas as pessoas do mundo: "chiu! não façam barulho que ele ainda está a dormir".
É por isso que todas as pessoas que se Amam deviam ter um dia por semana para ficar na cama até mais tarde, e não estou a falar dos Sábados ou dos Domingos. Esses não contam, porque é quando o mundo está de folga e não pensa em ninguém. Aliás, nesses dias também ele acorda sempre um bocadinho depois da hora normal. Estou a falar duma terça ou quinta-feira, por exemplo, dias em que o mundo trabalha. Já o estou a imaginar a dizer-nos a todos: "chiu! deixem-nos em paz esta manhã que eles estão apaixonados".
A única coisa melhor do que poder acordar tarde sozinho, aliás, é poder acordar tarde sozinho ao lado de quem se Ama. Ter tempo para ir à cozinha fazer-lhe o pequeno-almoço, ter tempo para fazer Amor e depois ficar a olhar para o insecto que esvoaça no tecto, ter tempo para ler duas ou três páginas dum livro, ter tempo para entrelaçar as mãos e as palavras. Enfim, ter tempo para viver como se o mundo nos permitisse sempre Amar na sua plenitude.
É claro que quem nunca Amou na vida não percebe isto, e talvez por isso considere justo que as pessoas devam trabalhar mais meia-hora por dia para resolver a crise económica. Tenho uma má notícia: não resolve. Aliás, basta pensar que há anos e anos que as pessoas trabalham demais e estamos em crise na mesma. Fico à espera do governo que institua nas empresas o Dia de Acordar Tarde. Mesmo que não resolva a crise económica, resolve a outra. A de termos pouco tempo para Amar.

10.26.2011

conversa 1841

Ela - Nem quero acreditar que o meu ex-marido anda a comer a minha melhor amiga.
Eu - Qual é problema? Ele não é o teu ex-marido?
Ela - É o meu ex-marido, sim. E agora ela também é a minha ex-melhor amiga.
Eu - Não me digas que te vais chatear com ela só por causa disso.
Ela - Não é que me vá chatear, mas nunca mais lhe falo. Nem a ele.
Eu - Mas qual é o teu problema?
Ela - O meu problema é tudo o que eu lhe contei a ele sobre ela e a ela sobre ele. Imagino o que agora devem dizer um ao outro sobre tudo isso. E ainda há pior...
Eu - Pior?
Ela - Sim. Era a ela que eu contava quais eram as maiores taras sexuais dele.
Eu - Ei! A tua melhor amiga conhecia as taras sexuais do teu marido e meteu-se com ele mal te divorciaste?
Ela - Sim. Achas normal?
Eu - Sei lá o que é que eu acho. Quero é saber quais são essas taras...
Ela - Achas que te vou contar?! Essas coisas só se contam às amigas...

10.24.2011

conversa 1840

Ela - Sinto-me um bocado desiludida.
Eu - Porquê?
Ela - Dei uma nega a um gajo que me convidou para sair e ele não insistiu mais.
Eu - Mas... se querias sair com ele, porque é que lhe deste a nega?
Ela - Para ter a certeza que ele queria mesmo sair comigo.
Eu - Que tolice! A mim, sempre que me deram negas nunca mais insisti...
Ela - A sério?
Eu - A sério, para não fazer figura de urso.
Ela - E agora? O que é que eu faço?
Eu - Agora convida-o tu, se quiseres.
Ela - Isso é que não.
Eu - Porquê?
Ela - Para não fazer eu figura de ursa.

pensamentos catatónicos (262)

as estações do ano

Ouvi esta semana uma mulher queixar-se do tempo. Dizia ela que os dias ainda pareciam de Verão apesar do Outono ter chegado há um mês. O tempo é um dos nossos melhores amigos, já que nos queixamos dele por tudo e por nada. Queixamo-nos quando está bom tempo e era suposto estar mau, queixamo-nos quando está mau tempo e era suposto estar bom. Até nos queixamos quando o tempo está assim assim, porque é suposto nunca estar. Hoje choveu e por coincidência tornei a vê-la no  mesmo café. Estava a queixar-se da chuva intensa. Enfim, o tempo é como o Amor. Nunca está como queremos mesmo que esteja bom.
Tem piada, porque o maior problema do Amor é precisamente esperarmos que ele seja como as estações do ano: que surja a dias certos. É por isso que se diz dum homem feito, aquele que já estudou tudo o que tinha para estudar, que está na altura de ir trabalhar, arranjar casa, carro e casar. Como se houvesse uma altura para um homem se apaixonar. Não há, ou melhor, até há mas é a vida toda. Por isso é como se não houvesse.
Não sei quantas pessoas das que já morreram neste mundo desperdiçaram a vida por causa desta mania, mas tenho a sensação que foram muitas. Talvez a maior parte. Eu diria que todas aquelas que casaram no dia certo porque tinha que ser, e depois acabaram os dias a pensar como seria ter vivido com outra pessoa qualquer. Enfim, a queixarem-se do tempo que nunca chega a horas certas...

10.21.2011

conversa 1839

(por sms, depois de eu ter desligado o telefone)

Ela - Não atendes o telefone?
Eu - Estou afónico.
Ela - Podias ter dito.
Eu - Estou afónico. Não posso dizer nada.
Ela - Preciso falar contigo. Hoje podes passar em minha casa?
Eu - Estou afónico. Não posso falar.
Ela - Não preciso que fales. Falo eu e tu ouves.

10.20.2011

conversa 1838

(à saída do café)

Eu - Eu levo-te a casa.
Ela - Detesto que te ponhas com essas coisas de machista.
Eu - Que coisas?
Ela - De levar-me a casa. Posso ir muito bem sozinha e quero ir sozinha.
Eu - Ok, até à próxima então.
Ela - Só se quiseres ir lá a casa beber mais uma cerveja, para acabar a noite...
Eu - Isso não quero. Estou muito cansado.
Ela - Pronto, então está bem. Podes levar-me só à porta. Mas é uma excepção.

adormecer

Eu sei porque é que as janelas dos prédios da cidade tilintam durante um segundo. São as pessoas a chegar aos quartos que as acendem apenas para localizar a cama. Fico a olhar para elas, as janelas, que no horizonte se tentam dissimular no céu estrelado, com a consciência de que me mantenho acordado enquanto todos os outros se estão a deitar. Uns para dormir, outros para se aconchegarem em quem Amam. Menos eu.
Tiro a rolha a uma garrafa e ponho dois copos na mesa em frente ao sofá. Um para mim, outro para quem eu sei que não vem. Tenho esta mania de me deitar depois da cidade, nos dias em que estou sozinho, só para poder beber um copo com ela sem que ninguém nos espreite. Falo com ela sobre o dia, com o doce incentivo do vinho. Depois, às vezes, adormeço ali no sofá, aconchegado também em quem Amo e não está lá.
Amanhã ela vai-me telefonar de manhã e perguntar-me porque é que estou com a voz cansada. Dir-lhe-ei que me deitei tarde sem lhe conseguir explicar porquê. Mas é por isso, por não saber adormecer quando ela não está.

10.19.2011

conversa 1837

(na casa dela)

Eu - Tenho que ir embora. Amanhã tenho consulta de manhã.
Ela - Oh! Não vás.
Eu - Tenho que ir, ando a sentir-me doente. Além disso é lixado marcar uma consulta no serviço nacional de saúde e não aparecer. Outra pessoa podia ter ido em minha vez...
Ela - Telefona para lá e diz que não podes ir porque estás doente. Eles não levam a mal.

pensamentos catatónicos (261)

tempo é dinheiro?


Desde criança que ouço dizer que o tempo é dinheiro. Quer isso dizer que o tempo que se pode gastar a ganhar dinheiro é tempo que não se deve gastar a fazer mais nada. Tem piada, porque embora eu nunca tenha gostado dessa frase, acho foi nisso mesmo que nos tornámos. Falo de nós todos, Homens, cuja maioria defende com unhas e dentes que se deve sofrer em nome do bem estar da Economia.
Eu acho que a Economia é que nos tem que servir a nós, e por isso inverto por impulso a ordem da frase. Acho que o dinheiro é que é tempo. Tenho a tendência para tentar transformar o pouco dinheiro que tenho em tempo, em vez de transformar o meu tempo em dinheiro. Não o faço tanto quanto gostaria, claro, mas isso é porque tenho que comer qualquer coisa.
Fico sempre desiludido nos dias de eleições, não apenas por os portugueses terem a mania de escolher para seus governantes pessoas em que eu não acredito minimamente, mas principalmente por perceber que a grande maioria de nós não dá importância nenhuma ao tempo, ou seja, à vida. Por exemplo, actualmente, parece que é legítimo vivermos menos para conseguir pagar uma dívida que ninguém percebe bem como é que cresceu tanto. A crise não é apenas essa dívida, portanto. A crise é que ninguém gosta de viver. A maior parte das pessoas que votam nos partidos do poder são pessoas tristes, e isso causa-me tristeza a mim.
Por dedução se percebe facilmente que abdicar do tempo em nome do dinheiro implica Amar menos. Muito menos, e talvez por isso a solidão cresça a olhos vistos entre essa mania estúpida. É uma pena, porque se não fôssemos assim, estúpidos, podíamos definitivamente viver mais e melhor. Todos nós.
Uma certeza que tenho é que um dia vou morrer. Quando isso acontecer espero ter conseguido transformar o meu dinheiro no máximo de tempo possível. Isso quer dizer que Amei o mais possível também. O resto: a dívida que os bancos nos impingiram, a história da formiga que trabalha no Verão para poder comer no Inverno e o provérbio que diz que tempo é dinheiro... que se fodam!

10.18.2011

conversa 1836

Ela - Gostava de ter um marido que me dissesse que me Ama.
Eu - O teu não te diz?
Ela - Sim, às vezes até diz.
Eu - Estás a ver?!
Ela - Reformulo o meu desejo. Gostava de ter um marido que de vez em quando me dissesse que me Ama, não apenas quando quer jogar consola e me trata bem para ver se pode ficar com a televisão só para ele.

a árvore

Uma vez disse-lhe que a Amava. Assim, numa só palavra que no segundo seguinte já se tinha esfumado. Amo-te. E ela ficou a olhar para mim quieta, num estado que percebi ser de análise e igual ao do lobo que estuda a presa. Arrependi-me imediatamente de o ter feito.
As palavras não chegam para nada, muito menos para definir um Amor. São intocáveis e efémeras. É por isso que quando duas pessoas se Amam também se calam. Até costumam apagar a luz, para o silêncio ser ainda maior. Mas eu disse-lho com a luz acesa. E ela, a mulher, apagou-se.
Estávamos numa pastelaria. Eu a tomar café e ela a beber um chá. Eu bebi o meu num só gole, que queria sair dali o mais depressa possível. Ela demorou muito, acho eu que de propósito, e foi quando reparei nos dedos dela a abraçar a caneca. Eram bonitos, os dedos. Repete o que disseste, pediu ela. Eu recusei. Arrependi-me imediatamente de o ter feito.
Caminhámos pela cidade sem direcção. Eu sempre com vontade de a abraçar e ela sempre dois passos à minha frente. Estava frio mas eu tinha calor. Parámos debaixo duma árvore que, para meu alívio, já devia ter ouvido milhares de conversas de Amor. Não ia dar importância a mais uma. Disseste que me Amavas? Perguntou. Sim, respondi abanando os ombros como se assim pudesse enxotar o nervoso. Como é que me podes Amar se mal me conheces? E eu calei-me, não por não ter resposta mas sim por ter demasiadas respostas.
Hoje passei nessa árvore e parei dois segundos a olhar para ela. Ainda tem folhas, apesar de estarmos no Outono. Talvez não lhe apeteça despir-se. Depois disse-lhe, para o caso de lhe apetecer ouvir, que sim, que podemos Amar uma pessoa que mal conhecemos. A mim aconteceu-me e já lá vão três anos. É tão certo como podermos não Amar uma pessoa que conhecemos bem. Acho que ela se riu, não tenho a certeza.

10.14.2011

conversa 1835

Ela - Porque é que raio as bonecas insufláveis têm sempre a boca arredondada e aberta?
Eu - Estás a perguntar isso a sério?
Ela - Estou, claro. Se elas não podem falar, para que é a boca aberta?
Eu - Estás a gozar comigo.
Ela - Não estou nada. Diz-me.
Eu - Há mais coisas que se fazem com a boca durante o sexo para além de falar.
Ela - Tipo o quê?
Eu - Tipo sexo oral.
Ela - Não!
Eu - Não o quê?
Ela - Não acredito que os homens fazem sexo oral com uma boneca de plástico. Depois para onde é que vai o esperma?
Eu - Se não usares preservativo, vai para a boca. O melhor é lavá-la.
Ela - Já fizeste isso?
Eu - Não, nunca tive nenhuma boneca insuflável.
Ela - Então como é que sabes isso tudo?
Eu - Tipo, vejo uma boneca que é vendida com fins sexuais de boca aberta e não preciso pensar muito.
Ela - Sempre pensei que algumas bonecas insufláveis tivessem uma gravação, assim como alguns bonecos para crianças também têm...
Eu - Se calhar até há. Não sei... e a gravação diria o quê?
Ela - Diz-me que me Amas, diz-me que me Amas!
Eu - Agora sou eu que não acredito.
Ela - Não acreditas em quê?
Eu - Achas que uma boneca insuflável devia dizer "diz-me que me Amas, diz-me que me Amas" ?!
Ela - Só para chatear.

10.13.2011

respostas a perguntas inexistentes (183)

Às vezes, só às vezes, parece-me que o mundo se divide em pessoas que Amam e pessoas que não Amam.
Isto porque tenho uma amiga que não Ama, e quando digo que não Ama é porque não o faz nem o quer fazer. Convida-me de vez em quando para ir a casa dela beber um chá e conversar um bocado, mas nunca sai nem quer sair de casa. E fico ali, horas a fio, a assistir ao seu ar felino de quem não precisa de ninguém.
Muitas vezes, mesmo muitas vezes, ainda estou a limpar os sapatos e já estou também a perguntar-lhe se está tudo bem, assim como quem não quer a coisa e na esperança de que ela me diga que não. Quero que ela me conte uma desilusão de Amor qualquer, só para lhe sentir vida. Mas até hoje nunca o fez. Responde sempre que sim, que está tudo bem.
Quando comecei a namorar passei em casa dela e levei uma garrafa de vinho. Esperava que ela, ao saber da minha novidade, finalmente levantasse o véu sobre qualquer coisa que eu desconhecesse. Uma antiga paixão de adolescência, um Amor proibido ou mesmo um beijo solitário qualquer.

- Conheci uma mulher de quem estou a gostar bastante! - disse-lhe eu lançando o isco.
- Óptimo. - respondeu ela enquanto abria a garrafa e fechava a conversa.

Ontem perguntei-lhe, depois de ganhar finalmente coragem, o que é que faz uma pessoa que passa a vida a não Amar. Ela respondeu-me, para meu grande alívio, que faz o mesmo que as outras pessoas todas mas sem o dividir com ninguém. Percebeu a minha pergunta e percebeu que era sobre ela que eu falava. Menos mal.
Tinha-me feito um chá qualquer com alguns sabores exóticos, que me sabiam bem mesmo sem eu lhes conhecer o nome. Peguei neles como se pega num ingrediente qualquer essencial da vida e disse-lhe que, se eu soubesse fazer um chá assim, ia querer dividi-lo com alguém muito especial na minha vida.

- Estou à espera de encontrar um homem como eu. Um homem que queira estar sempre só, para poder dividir a sua solidão comigo. A minha solidão é a única coisa que eu posso dividir com alguém.

Fiquei a olhar, através da janela, para as luzes das ruas que se estendem até ao mar, a ver se encontrava nelas a resposta que não me nascia nos lábios. Desarmado, ia tentar explicar-lhe isso mesmo, que é ali nas ruas da cidade que está essa resposta. Mas ela, com o ar mais natural do mundo, pegou na minha caneca vazia e perguntou-me se eu queria mais chá.

10.11.2011

conversa 1834

Ela - O que é que andas a ler neste momento?
Eu - Ando a ler o Mau Tempo no Canal, do Vitorino Nemésio. E tu?
Ela - Eu andava a ler Saramago mas interrompi porque quero comprar algumas mobílias...
Eu - Não percebo.
Ela - Substituí o Saramago pelo catálogo do IKEA.

10.10.2011

conversa 1833

Ela - Estou tão cansada do meu casamento. Acho que já não há mesmo Amor entre mim e o meu marido...
Eu - Não é caso único, diria eu. Já falaste com ele sobre isso?
Ela - Ontem disse-lhe que gostava de o Amar e gostava que ele me Amasse...
Eu - E ele?
Ela - Ele perguntou onde.
Eu - Perguntou onde?
Ela - Sim. Tive que lhe explicar que gostava que ele me Amasse e não que ele mamasse.
Eu - Ah!
Ela - É desesperante.
Eu - Pois...

coisas que fascinam (134)

o Chico das Bicicletas

Quando eu era criança só existiam duas oficinas de bicicletas em Aveiro. Uma era a do Zé Gordo das Bicicletas, outra era a do Chico das Bicicletas. Eu ia sempre à do Chico das Bicicletas, por ser mais perto da minha casa, e aquilo nunca me pareceu um verdadeiro negócio. Ele alinhava-me a direcção, enchia os pneus e afinava os travões sempre de graça. Para mim, na minha ingenuidade de criança, era normal ele fazer isso sem cobrar, até porque com sete ou oito anos eu nunca tinha dinheiro no bolso.
O Chico das Bicicletas já tinha morrido quando em adulto pensei nele como uma pessoa boa, uma pessoa daquelas que arranja bicicletas a uma criança e recebe em pagamento apenas o seu sorriso. Tenho pena de nunca lhe ter agradecido ter-me proporcionado uma infância um bocadinho melhor, e se ele hoje fosse vivo era o que eu fazia. Dava-lhe um abraço do tamanho do mundo e dizia-lhe obrigado.
Nessa altura andava de bicicleta por motivo nenhum, e esse é o melhor dos motivos para andar de bicicleta. Agora faço-o para manter o peso e alguma resistência, mas quando era pequeno dizia à minha mãe que ia lá para fora andar de bicicleta e pronto, ia sem motivo aparente. Lembro-me que às vezes, muitas vezes mesmo, fingia que era uma mota e fazia vrruuuummmm vrruuuuuummmmm com a boca enquanto pedalava. Acreditar nas nossas próprias mentiras é uma capacidade que só temos enquanto somos crianças. Depois, quando crescemos, perdemo-la, principalmente com os primeiros desgostos de Amor. Aliás, acho que foi por isso que muito cedo a minha bicicleta passou a ser apenas isso mesmo, uma bicicleta.
Os desgostos de Amor têm a mania de transformar o mundo nele mesmo, tal como ele é, ou seja, de o transformar totalmente. São um serial killer dos nossos sonhos. Lembro-me, por exemplo, de em fases deficitárias de paixão deixar de atravessar as passadeiras como se fossem um jogo, colocando os pés apenas nos riscos brancos para não perder. Atravessar a estrada passava a ser apenas isso mesmo: atravessar a estrada. É o que faz a falta de paixão, mostra-nos o mundo como ele é, e eu não gosto de simplesmente atravessar a estrada.
O sinal vermelho deve ter demorado cerca de um minuto a passar para vermelho. Foi esse o tempo que eu estive a olhar para outra mulher à minha frente, que depois atravessou a rua no sentido oposto ao meu. Aconteceu-me hoje e ela sorriu-me quase por impulso, tal como eu. Depois não olhei para trás e ela quase de certeza que também não. Era apenas alguém que sabe transformar as coisas que são naquilo que devem ser. Há pessoas assim, o Chico das Bicicletas era uma delas.
Quase ninguém sabe porque é que Ama alguém, mas eu acho que é essencialmente por isso. Porque esse alguém nos permite viver noutro mundo que não este. Constantemente. É por isso que eu Amo a Raquel, e é por isso também que esta é a minha homenagem a esse homem que fez parte da minha infância.

10.07.2011

pensamentos catatónicos (260)

um homem não chora

É difícil ser homem e toda essa dificuldade vem do simples facto de existirem mulheres. É que sem elas nem sequer vale a pena sê-lo. É mesmo assim, por muito que não se queira. Mas no meu caso até quero, embora admita que é por não saber mais. Não sei ser homem só por si. É isso, pronto.
Às vezes as mulheres entristecem-me. É raro, felizmente, mas acontece. É nessa altura que faço o enorme esforço de imaginar o mundo sem elas e é nessa altura que me calo. Chatear-me com elas é chatear-me com o ar que respiro, ou seja, com aquilo que existe porque tem que existir. Calo-me perante o que me é essencial e penso que um homem não chora.
Um homem, em abono da verdade, até chora, mas passa a vida a fingir que não. Não chorando parece que se é mais forte. As mulheres são realmente mais fortes e por isso choram à frente de toda a gente. Não fingem nem têm que fingir nada. O fingimento é uma característica dos mais fracos e essa é outra dificuldade de se ser homem, ter que se fingir que não se chora. Quando penso nisso apetece-me chorar.
O choro das mulheres é diferente do choro dos homens por isso mesmo. A elas fortalece-as, a eles enfraquece-os. São elas que dizem coisas do género "estava a precisar de chorar" ou "já chorei, por isso já estou melhor". Eles, quando choram, dão-se conta surpreendentemente de que afinal são frágeis e choram ainda mais.
É difícil ser-se frágil quando se deve supostamente ser forte, e tenho a certeza que é bem melhor ser-se forte quando se deve supostamente ser frágil. Os homens são frágeis pelos simples facto de existirem mulheres. É que sem elas nem sequer vale a pena sê-lo.

respostas a perguntas inexistentes (182)

um bocadinho
Ela dizia que gostava do meu café, aquele que eu fazia numa cafeteira velha herdada da minha avó. Sentava-se na mesa da cozinha com um cigarro na mão, ansioso por ser fumado, à espera que eu lhe enchesse a caneca estalada. Depois bebia-o em goles tão pequenos que me parecia impossível que um dia chegasse ao fim. Mas chegava sempre. E como eu sabia que o meu café era igual a qualquer outro, acreditava que o que ela queria dizer era que gostava um bocadinho de mim.
Quando não estamos apaixonados por outra pessoa mas gostamos um bocadinho dela, dizer que gostamos do café que ela faz é uma maneira de lhe agradecermos a existência. Assim, sem assumir uma responsabilidade demasiado grande pelo que se diz. E eu respondia-lhe sempre que o café era bom, não por minha causa mas por causa da cafeteira da minha avó. Depois ela ia fumar para a varanda e eu ficava dentro de casa, encolhido pela evidência de ter conhecido mais uma mulher que gostava um bocadinho de mim e de quem, na verdade, eu também só gostava um bocadinho.
Depois duma separação nunca se gosta muito de alguém. Gosta-se um bocadinho, aqui e ali, num processo terapêutico lento para que um dia se consiga Amar outra vez. Foi essa a importância da Márcia, que também se tinha divorciado pouco tempo antes e também estava de férias quando a conheci. Eu estava parado na margem duma estrada qualquer a encher-me do silêncio dum rio e ela veio do nada pedir-me água para lavar as mãos. Colocou-as em concha e eu verti generosamente da que estava a beber. Esfregou-as uma na outra com vivacidade e depois sentou-se ao meu lado. Ficámos ali algumas horas a cuspir palavras sobre nós, como se quiséssemos dizer quem éramos sem contar o que nos tinha acontecido.
Gostei dela nesse dia e nos dias que se seguiram. Um bocadinho só, mas gostei. Por isso é que lhe fiz café.

10.06.2011

mesmo antes duma coisa qualquer

Diz-me quem Amas, dir-te-ei quem és. Foi o que ela lhe disse, numa ordem que estranhamente lhe pareceu doce, para fazer enquanto abria a garrafa de vinho... [para ler no site amulher.com]

10.04.2011

conversa 1832

(ao telefone)

Ela - O meu marido disse-me que há uma miúda lá do escritório que anda interessada nele. Mas eu não acredito, acho que é só ele a tentar fazer-me ciúmes.
Eu - Porque é achas isso?
Ela - Quem é que raio se ia interessar pelo meu marido? Ele não tem interesse nenhum...

10.03.2011

o dedo do meio

Há várias formas de usar o dedo do meio. Para a Upyurs, pelos vistos, fazê-lo significa sempre ser auto-confiante. Pelo menos é o que revela esta publicidade. Por razões que me parecem mais ou menos óbvias, este gesto parece-me ter uma conotação com o género masculino. O verniz para as unhas, tanto quanto sei, é essencialmente usado por mulheres. Aqui está uma marca, portanto, que acha que uma mulher auto-confiante é aquela que adquire hábitos masculinos.
Eu discordo totalmente. O dedo do meio é o argumento de quem não sabe argumentar (e se calhar também aí seja um gesto tendencialmente masculino), de quem não se consegue expressar doutra forma. É a linguagem gestual de quem é mudo na Razão. Por isso mesmo, aliás, é que é fácil encontrá-lo nas claques de futebol. Não me parece que uma mulher que usa verniz nas unhas tenha que ser assim. Mas pronto, isso sou eu.

respostas a perguntas inexistentes (181)

fiatlux
Não me esqueço de ninguém nem de nada. Está toda aqui na minha cabeça, a minha vida e a pessoas que fazem ou fizeram parte dela, por um segundo que tenha sido. Basta-me um sinal qualquer e recordo uma situação antiga como se fosse hoje. Vivo-a, portanto. Ainda bem.
Há muito tempo que não faltava a luz em minha casa, um apartamento perdido entre tantos outros nos subúrbios de Aveiro. Desta vez fiquei às escuras e fui procurar a lanterna que funciona a energia solar. Encontrei-a rapidamente, que por ser solar está sempre numa das janelas a olhar para o Sol. Depois, sentado no sofá da sala, pus-me a brincar com as sombras dançantes ao som do tímido foco de luz, recordando simultaneamente outras sombras, aquelas que dançavam nas paredes da casa onde cresci.
A minha mãe tinha sempre velas num armário da cozinha. Quando faltava a luz acendia várias, umas na outras sucessivamente para poupar nos fósforos, e colocava-as em sítios estratégicos para que fosse possível caminhar. Uma na casa de banho, outra na entrada, outra na sala e outra na cozinha. Normalmente sobravam sempre duas ou três volantes. Eram essas as únicas noites em que o televisor se calava e as palavras se tornavam o mais importante. O meu pai a dizer que quando era criança era sempre assim, a noite e um candeeiro a petróleo; o meu avô a confirmar com uma saudade que eu não percebia mas sentia; a minha mãe a chamar constantemente pelos filhos todos, como se eles se pudessem perder na escuridão que povoava o apartamento.
Há muito tempo que eu não conversava assim com ninguém. Só que agora sou adulto, e à falta do meu pai e da minha mãe conversei comigo mesmo. Não estava mais ninguém em minha casa, mas na verdade também não me tenho feito muita companhia às claras. Talvez por falta de tempo, o tempo que apareceu num corte da energia eléctrica. No nada.
Foi assim, ou quase sempre assim, que me nasceu nos lábios a palavra Amor. No minimalismo da noite, digo. Sem televisor, sem música, sem livros. Às vezes também sem roupa. Os ambientes estéreis são os mais fecundos para a palavra Amor, pensei. Como se a paixão fosse um oásis qualquer. É assim contigo, por exemplo, que quando estás comigo o mundo é um deserto árido.
Depois fez-se luz.

9.30.2011

conversa 1831

Ela - Esta semana estive para adoptar um gatinho com três pernas...
Eu - Com três pernas?!
Ela - Sim, perdeu uma num acidente e os donos abandonaram-no. Vê lá tu como as pessoas são cruéis.
Eu - E não adoptaste?
Ela - Entretanto parece que alguém o adoptou primeiro. Também há gente boa...
Eu - A minha namorada tem um gato com três pernas. Deve ser boa, então...
Ela - A tua namorada tem um gato com três pernas?! Espectacular.
Eu - Até tem mais. Tem quatro...
Ela - Estás a gozar com os meus sentimentos pelos animais?!
Eu - Era só uma piada.
Ela - Vê lá se enfias a piada num sítio que eu cá sei.
Eu - Para quem gosta de gatinhos com três pernas estás muito agressiva.
Ela - Estou a contar-te uma coisa séria e tu começas a gozar...
Eu - Não estava a gozar contigo. Era a brincar...
Ela - O que interessa é o que eu sinto, não o que tu pensas.