7.18.2010

pensamentos catatónicos (213)

arroto

Percebeu que o Amor põe em causa a lei das probabilidades outra vez. Está apaixonado e não é pela melhor amiga com quem sai quase todas as noites e é bonita, nem pela colega de trabalho que cumprimenta com um sorriso malandro todas as manhãs. Apaixonou-se por uma mulher com quem nunca trocou mais do que um olhar no comboio.
Ele ia mal disposto e arrotou. Ao contrário do olhar reprovador que esperava dela, viu pelo atento canto do olho que ela lhe sorriu timidamente. Um sorriso tímido perdoa tudo, até um arroto distraído. E foi nesse olhar que se apaixonou. Depois pousou os olhos na paisagem que corria lá fora, acarinhado por uma viagem que devia ser eterna mas não foi. Numa estação qualquer ela levantou-se e saiu deixando-o órfão de tão recente paixão.
Agora está ali, sentado ao balcão dum bar qualquer com a memória do sorriso dela a boiar num copo de cerveja. Se não a tivesse visto estaria provavelmente a beber com amigos, mas assim está sozinho, encorpando progressivamente o seu sentimento de solidão. E é estranho sentir-se só por não estar hoje com alguém com quem de facto nunca esteve na vida inteira. Mas o Amor também é isso. Se não existisse mais ninguém no mundo ela seria a sua população mundial. Assim não. Está só e nem a população mundial chegaria para o consolar.
E ele, que se habituou a optar em tudo na vida por uma questão de probabilidades, sente-se derrotado. Por exemplo, não tem medo de andar de avião porque sabe que há poucas probabilidades de morrer e não joga euromilhões porque sabe que há apenas uma ínfima probabilidade de ganhar. Agora pensa que a probabilidade de a ver de novo é baixa e o pensamento não lhe sai da cabeça. É como um excitado peixinho vermelho num aquário: mexe-se muito mas não tem por onde fugir.
Bebe mais um gole que enche ainda mais esse aquário. Depois congela um segundo. Talvez a maior probabilidade seja apaixonarmo-nos por uma baixa probabilidade de paixão. Pela mulher que atravessa a passadeira no sentido inverso ao nosso, pela mulher que nos pergunta uma direcção na rua ou pela mulher que descansa num banco de jardim. Talvez.

10 comentários:

redonda disse...

Gostei
beijinho

Ivar C disse...

redonda, obrigado. beijinho. :)

Unknown disse...

Talvez a probabilidade de se apaixonar por alguém em que a probabilidade de retribuição seja diminuida, seja a grande paixão. kiss

early bird disse...

"Talvez a maior probabilidade seja apaixonarmo-nos por uma baixa probabilidade de paixão."

ahh, deve ser mesmo assim. o mais difícil fascina sempre, não é?

Stiletto disse...

No fundo és um romântico inveterado. E à superfície também ;-)

Fatyly disse...

Como é complicado apaixonarmo-nos por quem não devemos, mas até nisso encontro "encanto" já que ninguém tem mão no sentido do Amor que foge a todas as regras das "probabilidades"!!! Maisnada:)

Ivar C disse...

tulipa, talvez sim... de facto. beijo. :)

girl in motion, por acaso fascina... :)

stilleto, mesmo lá muito no fundo... lol. :)

fatyly. há encanto, sim. encanto e alguma tristeza. :)

C disse...

Há situações que nós próprios podemos aumentar as probabilidades. Mas será que queremos? A onda que vemos formar é diferente se escolhemos (ou não) mergulhar ou se, de todo, não há escolha.

Margarita disse...

Um texto delicioso :').

Ivar C disse...

c, :)

margarita, obrigado. :)