5.03.2008

respostas a perguntas inexistentes (32)

Ele apercebeu-se da paz podre quando se cruzou com ela. Ela ia do quarto para a cozinha, provavelmente arrumar duma maneira diferente os copos que ele já tinha arrumado depois do almoço. Ele ia da sala para o quarto, na esperança de a encontrar e perguntar-lhe se queria sair e tomar um café. Mas já não a ia encontrar nem sequer perguntar-lhe nada. Cruzaram-se no corredor, no sentido inverso, e não trocaram um olhar nem um som. Foi o silêncio absoluto. A diferença é que o silêncio dela era grande e o dele era pequeno.
O silêncio dela ocupou rapidamente a casa toda. O corredor, a cozinha, a sala e o quarto. Ele acabou por se refugiar no seu pequeno silêncio, como um caracol dentro da casca, dentro do pouco espaço que sobrava na casa de banho. Sentou-se na sanita e pousou o queixo brandamente nas suas mãos em concha. Ficou a ouvi-la a tirar os copos todos das prateleiras e arrumá-los todos novamente. Um por um.

9 comentários:

Anónimo disse...

e até que ponto não são desencontros programados? talvez pelo próprio prazer do desencontro... :)

muito bonito este texto :))))

Ivar C disse...

that's all folks, obrigado... eu acho mais que é uma espécie de morte lenta que às vezes nos acontece... :)

Sendyourlove disse...

this is the end...que por vezes insistimos em não ver

Gato Aurélio disse...

(...)eu deixava-me ficar para trás, lançando olhares indiscretos através das aberturas das portas para surpreender cenas dessa vida doméstica que, embora decorra num cenário patusco de teatro de fantoches, contém em si própria um significação terrivelmente dramática.

Lawrence Durrell

;O)

Anónimo disse...

Ves como o silencio de um doi?

Anónimo disse...

Bom dia yellow boy.
Que texto bonito e dificil. Os silencios que nos corroem e matam. Gostei e incomodei-me pq me incomoda esta forma de levar as coisas...

Johnny disse...

Já "ouvi" muitas vezes este silêncio.

Bom blogue.

Inês disse...

Não compreendia como alguns casais podiam deixar as coisas morrer. Como poderiam não lutar contra isso? Agora percebo que às vezes é por escolha própria. No meu caso é por orgulho. Agora percebo que tudo tem de morrer para que novas coisas nasçam.
O fim de algo dá-se porque outra coisa está a fazer força para nascer.

Ivar C disse...

sendyourlove, sim... tens razão. às vezes acho que não é só insistir em não ver. é adiar o problema por uma questão de comodidade. :)

gato aurélio, :)

luadoceu, sim, é verdade. :)

mi, incomoda-nos a todos, acho eu... mas levamos na mesma. :)

johny, obrigado. eu também o ouvi várias vezes. :)

inês, é uma maneira interessante de ver as coisas. morrer para nascer de novo. só é preciso acreditar na fénix. :)