2.10.2008

a Micas

Maria da Conceição de Melo Rita, mais conhecida por Micas, residiu na residência do Toninho (Salazar para uns, senhor doutor para ela) desde os seis anos de idade até casar. Mesmo depois do casamento continuou a privar com ele até à sua morte. Foi por isso, muito provavelmente, a melhor testemunha do que foi a vida do Presidente do Conselho durante praticamente toda a segunda República de Portugal.

A Micas é por isso uma mulher com um papel na História, e o livro que escreveu sobre as suas memórias com o Toninho, Os Meus 35 anos com Salazar, é revelador daquilo em que Portugal se tornou durante o Estado Novo: um estado velho e caduco.

Acredito que a Micas tenha tanto de boa pessoa como de ingenuidade, acredito até que durante a sua infância e adolescência não tenha havido disponibilidade para perceber que, aquele a que chama o seu pai adoptivo, era responsável por um campo de concentração em Cabo Verde (o tarrafal) onde morreram lentamente muitos inocentes, por uma polícia política que torturava e matava todos os que discordavam de si, e por uma guerra em África injusta para com todos (os povos africanos que legitimamente ansiavam pela independência e os militares que eram obrigados a ir para uma guerra que, na sua maioria, não percebiam nem aceitavam).

A verdade é que Portugal ainda não saiu da pequenez em que mergulhou durante o Estado novo e, mesmo hoje, a noção que tem de progresso extingue-se num país em que o mais importante é fazer chegar a uma aldeiazita qualquer, um número indeterminado de auto-estradas, com saídas do tipo Merdaleja Oeste, Merdaleja Norte e Merdaleja Sul, que ao fim e ao cabo vão dar ao mesmo sítio, e em que a logística para a educação e para a saúde não interessam mesmo nada se houver um estádio de futebol que dê para levar trinta ou quarenta mil pessoas.

A Micas fala da pequenez do Toninho para mostrar como ele era bom, sem se aperceber que, por trás dessa bondade do senhor doutor, está todo o obscurantismo que permite ainda hoje termos no governo pseudoengenheiros que assinam projectos de obras que não são seus, e que o país ache isso normal.

Para a Micas, o senhor doutor era bom porque deixava a governanta criar galinhas nas traseiras do Palácio de São Bento; porque lhe permitia um rancho melhorado num colégio onde todas as alunas passavam fome, mesmo que não pudesse partilhar com ninguém; ou porque ia metendo cunhas para todos os seus amigos e familiares arranjarem empregos melhores. Aliás, gosto especialmente da passagem: em questões de emprego, o chefe do governo não deixava cair os seus próximos. O meu irmão José abandonaria o cargo de porteiro no Palácio de São Bento para ser gradualmente promovido, até chegar a administrador do hospital Miguel Bombarda. Pois é...

19 comentários:

Anónimo disse...

Tenho que ver esse livro. E já que estás numa de livros, aqui vai um que gostei de ler " A filha rebelde", conta a história de Anne Silva Pais, a filha do Director Geral da Pide, que por vicissitudes da vida e por amor, foi atrás de uma revolução que não era a sua. A revolução Cubana. Claro que aos olhos de seu pai...isso merecia um tau! Pois era a ovelha ranhosa da família. Mas vou aceitar a tua sugestão :)

Fátima disse...

Ouvi a entrevista dessa senhora no telejornal, a repetir tudo isso com a maior das naturalidades. Pois é, acredito que até os ditadores mais sanguinários terão alguém na vida que goste deles, nem que seja a mãe. Mas daí até vir "santifica-lo" desta forma... Uahm!!!(vomito).

Ivar C disse...

Cristina, conheço esse livro, sim, mas nunca o li. Obrigado por me lembrares. :)

Ivar C disse...

Fátima, pois... eu não ouvi essa entrevista, mas no livro cheguei a achar a achar comovente a forma apaixonada como diz mal duma pessoa achando que está a dizer bem. :)

Anónimo disse...

não li o livro ainda... mas também vi a entrevista da dona Micas... e sinceramente ficou-me cá essa que o senhor doutor de vez em quando terá sido mais do que um pai adoptivo... talvez com a mesma inocência... a micas há-de ter permitido outras coisas ao senhor doutor...

Ivar C disse...

that's all folks, lol, isso é um boaro corrente sim, mas no livro não há revelações. :)

Anónimo disse...

mas olha que portugal não está assim tão distante e diferente dessa altura... já não existem tarrafais é certo, mas existem bases das lajes a permitir escalas de voos americanos com mais uns desgraçados para guantanamo, existem centenas de boys que são nomeados para jobs que se vão criando à medida da proliferação dos boys. o botas deixou uma herança muito forte, é certo que a pide já não existe, mas também é certo que hoje em dia esta democracia de democracia tem pouco e de justiça não-corrupta também.
Mas olha... "é pá porreiro!" estamos na europa e já matámos o fascismo...

Ivar C disse...

that's all folks, era mais ou menos aí que eu queria chegar... :)

SunGod disse...

a pide já não existe?? já alguém ouviu falar da ASAE??? :P

quanto à senhora em causa... só tenho a dizer que é a amostra viva de tudo aquilo a que a campanha de propaganda do governo de Salazar se propunha a fazer: criar cidadãos amorfos, obedientes e totalmente desprovidos de inteligência para saber o que se estava a passar... enfim, pela idade da senhora perdoa-se... só isso

Ivar C disse...

sungod, digamos que entre a ASAE e a PIDE há algumas diferenças relevantes... :)

Anónimo disse...

Queria dar-te os parabéns pelo blog. É a primeira vez que leio um blog mais do q 2 vezes e sem qualquer tipo de coacçao. De resto: acho que ajuda a não compreender melhor as mulheres :| Ah, se quiseres podes indicar-me à tua amiga que precisa de sexo e isso, até pq acho q é conversa de boa bezerra :| Adeus e até mais.

Ivar C disse...

Ivan, obrigado. :)

SunGod disse...

bagaço... a diferença mais significativa que vejo é que a ASAE não envia os donos de cafés e restaurantes para o tarrafal... fora isso são fascistas na mesma :P

Ivar C disse...

sungod, já é uma... diferençazinha... :)

Rita disse...

Essa ilação obscurantismo causado pelo Salazar=acções corruptas do Sócrates é um grande salto...

O Salazar teve muitos defeitos, mas duvido que tenha inspirado a moralidade ou a sua ausência do nosso premiere...

Se me disseres que inspira o seu estilo de governo... aí sou capaz de concordar...

Beijinhos*

Ivar C disse...

Ritinha, talvez tenhas razão, sim. Mas que o Josézito só não actua duma forma mais próxima do Toninho porque, de facto, o sistema não o deixa, também é verdade. beijinho. :)

Joana Amoêdo disse...

Que sa f*** a Micas e o Salazar. Não é?!

Ivar C disse...

debbie harry, sim. por acaso é. :)

ali khan disse...

partilha grande e bom, eu realmente estou visitando sobre primeira vez a este blogue andi achar que é muito útil e informativo, espero que você continue assim e vai continuar continuar a partilhar connosco
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